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A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«Devemos, contudo, interrogar-nos acerca dos resultados que os portugueses
desejavam obter com estas viagens. É necessário lembrar que:
- Antes de 1450 tinham explorado a costa da Guiné; haviam feito o reconhecimento de Arguim e aí instalado uma fortaleza;
- Pouco depois de 1462 tinham descoberto as ilhas de Cabo Verde, onde se instalaram;
- Antes de 1480 haviam descoberto a costa da Mina, onde ergueram uma fortaleza em 1482, para servir de apoio a uma feitoria comercial.
Perante isto, e após se ter lido a escassa documentação que chegou até
nós, conclui-se que os Portugueses deviam ter três objectivos fundamentais:
- Atingir, por via marítima, os centros produtores do ouro; e, na impossibilidade de os alcançar, penetrar nos mercados onde as transacções deste metal precioso se efectuavam em primeira mão;
- Adquirir escravos, quer por via da troca com os povos de raça negra que comercializavam a vida humana, quer através das surtidas às aldeias situadas junto à costa, prática que se tornou cada vez menos rendosa ao longo dos anos, pois, em consequência dos ataques já efectuados, essas populações internavam-se no continente;
- Estabelecer um contacto decisivo com possíveis reinos cristãos que se supunha existirem em África; pensava-se na possibilidade de obter aliados para um combate contra os Muçulmanos em geral e, em particular, os do Norte de África.
É necessário não esquecer que, para este último ponto, se partia da
ideia errada de que o reino do fabuloso Preste João chegava até ao Atlântico
ocidental, na cartografia da segunda metade do século XV, a África do Sul
estava ainda por vezes indicada como tratando-se da ‘Etiópia meridional’.
O cronista Azurara deu particular ênfase ao último aspecto referido,
curiosamente o que mais desiludiu os governantes portugueses. Mas o propósito
de encontrar cristãos acompanhou os Portugueses até ao raiar do século XVI,
como se pode verificar no Diário e
não ‘Roteiro’, como se afirma por vezes, da primeira viagem de Vasco da Gama; nesse
texto, Álvaro Velho, seu provável autor, acreditava na existência de cristãos
em toda a África Oriental e na Índia; a realidade era bem diferente, como
sabemos.
Contudo, ainda que os navegadores e mercadores portugueses do século XV
não encontrassem o Preste João ou outros cristãos, estabeleciam feitorias fixas
na costa, as duas mais importantes: Arguim e Mina e também faziam trocas
comerciais em pontos móveis ao longo da linha costeira, consoante as conveniências
do momento; existem documentos que fazem referência a funcionários nomeados
pela Coroa para vigiar e orientar essas trocas comerciais em lugares variáveis.
A década decorrida entre 1480 e 1490 parece-me decisiva. Penso que foi
nesse período de tempo que o rei João II de Portugal congeminou finalmente, e
começou a pôr em prática, um plano para chegar à Índia, plano esse que é muitas
vezes atribuído, mas, na minha opinião, erradamente, ao infante Henrique.
Com efeito, João II conseguiu que os navegadores fossem ainda mais
longe na costa africana; Diogo Cão e Bartolomeu Dias foram encarregados dessa
missão, e este último foi mesmo o primeiro português a navegar em embarcação
sua no oceano Índico; por outro lado, João II enviou dois emissários por terra,
Pêro da Covilhã e Afonso Paiva; este último morreu no Cairo, mas Covilhã
conseguiu visitar a Península Indostânica, permaneceu algum tempo em Goa, Ormuz
e Arábia e, provavelmente, os principais portos da costa oriental africana até
Sofala.
Podemos afirmar que, com o terminar desta década, terminava também a
ocupação das ilhas atlânticas, as últimas eram São Tomé e Santo António,
denominada mais tarde ilha do Príncipe.
Esta ocupação foi realizada com um duplo objectivo:
- Agradar a alguns membros da pequena nobreza que reclamavam a posse de terras para se instalarem;
- Assegurar um fácil apoio aos navegadores que navegavam ao longo da costa africana.
Isto confirma-se com as ilhas de Cabo Verde, depois do descobrimento do
caminho marítimo para a Índia; os navios tomavam muitas vezes o rumo de
Santiago com o objectivo de se abastecerem de água, apesar das dificuldades
existentes na ilha sob este aspecto, e de víveres. Vasco da Gama foi o primeiro
a fazê-lo, em 1498, e Sebastião del Cano seguiria o seu exemplo, quando regressava,
enfrentando inúmeras dificuldades, da primeira viagem de circum-navegação.
O ano de 1480 é também, por outro motivo, uma data significativa: no
ano anterior foi assinado um tratado através do qual a Coroa portuguesa
aceitava definitivamente o domínio castelhano-aragonês nas Canárias, permanecendo
livre em relação à exploração do continente africano e com direitos exclusivos,
tal como constava das disposições papais». In Luís Albuquerque, As Navegações e
a sua Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado,
1987.
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