quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Poesia erótica do humanista George Buchanan. Francisco de Assis Florêncio. «… em 1547, na companhia de André de Gouveia e outros colegas, parte para Portugal para se tornar mestre no Real Colégio das Artes, em Coimbra. Tranquilamente ministrava aulas às turmas de latim e grego quando, em 1550, ele e outros dois colegas foram acusados pelo Tribunal da Inquisição de ideias e práticas heterodoxas»



(1506-1582)
Killearn, Escócia
Cortesia de wikipedia

George Buchanan. Vida e Obra
«George Buchanan, um dos mais ilustres humanistas do século XVI, nasceu na Escócia, em 1506 e, desde a mais tenra idade, travou conhecimento com a língua latina. Isso deu-se principalmente porque a Escócia não demorou a reconhecer a importância do ensino do latim para os seus pupilos, e já em 1496 um ‘Acto Educacional’, que garantia subsídios para estudantes, especialmente para os filhos dos nobres, foi aprovado. De família tradicional, era descendente da respeitável e pródiga família Buchanan de Buchanan. Apesar desse histórico, a família de George Buchanan fica, após a falência do avô e da morte do pai, entregue à sorte. O tio materno, James Heriot, preocupado em ajudar a sua irmã, que naquela ocasião ficou com a responsabilidade de cuidar de 8 filhos, envia a Paris, em 1520, o jovem Buchanan, a fim de que pudesse dar continuidade aos seus estudos. Porém, em 1522, em razão da sua fraca saúde e do falecimento do tio, vê-se obrigado a retornar à terra natal. Restabelecida a saúde, Buchanan, em 1523, alista-se nas forças do Duque de Albany, que liderou um frustrado ataque à Inglaterra. Após um outro período de enfermidade, ele matricula-se, em 1525, na St Andrews University. Em 1527, ingressa como bacharel na Universidade de Paris e, em 1528, obtém o grau de mestre em Artes. Depois de formado, ministrou, por quase três anos, o ensino de gramática no colégio de Santa Bárbara, onde fez amizades com célebres mestres, em especial, André de Gouveia, sobrinho de Diogo de Gouveia, director da instituição.
Embora gozasse de boas amizades e liberdade de pensamento, a situação financeira do jovem mestre não era das mais satisfatórias, o que o levou a compor o poema Quam misera sit conditio docentium litteras humaniores Lutetiae.
A sua situação financeira só começa a melhorar quando se torna tutor do jovem Gilbert Kennedy, conde de Cassillis, sobrinho de William Kennedy, abade de Crossraguel. No intuito de melhor ensinar latim ao jovem conde, Buchanan verteu para o latim a gramática de Tomás Linacre, que foi publicada em 1533. Nas eleições do Reitor de Sorbona, em 1534, ele, graças à sua cultura grecolatina, começa a ser reconhecido por seus compatriotas e torna-se procurador da nação alemã pela secção escocesa.
A sua veia satírica vem à tona quando, numa viagem à Escócia, em companhia do conde, envolve-se em discussões partidárias, civis e religiosas, campo propício para o aparecimento daquele que é considerado o mais célebre de seus poemas satíricos: Franciscanus.
Cai, então, nas graças do rei Jaime V, que o torna preceptor do seu filho bastardo, Lord James Stuart, e faz uso desta obra para atacar os Franciscanos, a quem considerava mancomunados com os seus inimigos. Além desta obra, Buchanan compõe ainda mais duas obras de espírito satírico: Somnium e Palinodiae. Vendo, porém, após a morte da filha do monarca, que este estava colhendo frutos amargos por ter desafiado uma ala tão significativa da Igreja, decide regressar à França, na esperança de encontrar apoio em Santa Bárbara. Não recebendo aí a acolhida desejada, parte para Bordéus, onde se reencontra com o diretor do Colégio de Guiana, André de Gouveia, que lhe confia a primeira classe de gramática e, depois a cátedra de grego ou de artes, que foram ocupadas por ele até julho de 1543. Nesse período, floresce-lhe na veia o género dramático e ele escreve quatro peças:
  • Medea, Alcestis, Baptistes e Jephthes.
Embora feliz em Bordéus, Buchanan retorna a Paris no final de 1543 e torna-se professor no Colégio do Cardeal Lemoine. Apesar de já gozar de boa reputação na França, o poeta resolve deixá-la e, em 1547, na companhia de André de Gouveia e outros colegas, parte para Portugal para se tornar mestre no Real Colégio das Artes, em Coimbra. Tranquilamente ministrava aulas às turmas de latim e grego quando, em 1550, ele e outros dois colegas foram acusados pelo Tribunal da Inquisição (maldita) de ideias e práticas heterodoxas. Após ser interrogado, a sua sentença foi passar seis meses no mosteiro de São Bento, em Xabregas, a fim de ‘espiar’ os seus pecados com pios exercícios e outras coisas úteis para sua salvação. Recebeu liberdade condicional em 1551 e, em 1552, já livre, deixa Portugal em um navio cretense com destino à Inglaterra». In Francisco A. Florêncio, A Poesia Erótica de Buchanan, Cadernos do CNLF, vol. XI, nº 13, Círculo de Estudos Filosóficos e Linguísticos, Crítica Literária, Rio de Janeiro, CIFEFIL, 2008.

Cortesia de Crítica Literária/JDACT

Cátedra Eduardo Lourenço. Universidade de Bolonha. Margarida Calafate Ribeiro. Uma Outra História de Regressos: Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa. «Cresci e passei a minha adolescência a ouvir o som do rock português clamando que queria ver Portugal na então CEE. Europa, “sonho futuro” […] dos jovens dos anos 80, filhos daquela geração que lutou ao longo dos anos 50 e 60 contra a ditadura»



Cortesia de wikipedia

Para Eduardo Lourenço e Helder Macedo
«Sou da primeira geração de portugueses da segunda metade do século XX que cresceu em liberdade. A geração que fez o exame da antiga 4ª classe entoando Uma gaivota voava, voava, clamando a sua infantil liberdade e respeitando o tom revolucionário que então se respirava, sem mais Américo Tomás ou Marcelo Caetano nas paredes da sala de aula. Cresci e passei a minha adolescência a ouvir o som do rock português clamando que queria ver Portugal na então CEE. Europa, “sonho futuro” anunciado desde 46, por Adolfo Casais Monteiro, era agora o sonho futuro dos jovens dos anos 80, filhos daquela geração que lutou ao longo dos anos 50 e 60 contra a ditadura, a falta de liberdade, a mesmidão do país onde nada acontecia, como dizia Alexandre O’ Neill; a mesma geração que teve o azar histórico de participar na grande tragédia da nossa contemporaneidade que foi a Guerra Colonial em África. Enfim filhos de uma geração de portugueses que nunca regressou, atormentada pelos fantasmas da guerra, eternamente se questionando sobre o que fazer a “este preto que cairá para sempre, a cada segundo, de umbigo roto, no interior de mim…”, como se evoca tragicamente na obra de António Lobo Antunes, uma das primeiras vozes literárias dessa geração educada na Mocidade Portuguesa, destruída nos “cus de Judas” africanos, que teve os filhos pela Rádio, sujou as mãos e a alma no naufrágio final do império e que, regressava para filhos que não os conheciam, para mulheres que já não os entendiam, para um país que tinha vivido sem eles e que ainda hoje os estranha, assim insistindo para que a memória da guerra só a eles pertença.
Assisti e tenho memória dos regressos desses pais que só se conheciam na fotografia e que de repente estavam em nossa casa, dormiam com a nossa mãe, falavam vagamente connosco e hesitavam em exprimir o seu carinho. Depois do 25 de Abril houve também o regresso de muita gente que eu não sabia que também tinha partido: emigrantes chegados de países europeus, exilados regressando do estrangeiro e retornados desembarcados de África. Portugal era para todos estes “regressados” um país imaginado: idílica paz para os soldados cansados da guerra ou início da “guerra seguinte”; realização de sonhos políticos para os exilados, porto seguro para exorcização de todas as humilhações passadas nas terras de emigração; metrópole imaginada e lugar de retorno obrigatório para os retornados; país de emigração para os “retornados” que nunca tinham partido. Na escola os colegas vinham de todos os sítios: de França ou da Alemanha, tinham nascido em África, porque os pais tinham estado lá na guerra ou viviam em África e de lá tinham vindo, o que os fazia vibrar com a independência de Angola ou de Moçambique e, contra a vontade dos pais, traziam a bandeira dessa terra que confusamente diziam também ser a deles, recusando assim o Portugal atrasado que nós para eles representávamos, mas comungando connosco da vida à solta que então se vivia. Na escola e em casa a revolução estava em marcha: os nossos pais adormeciam capitalistas e acordavam nacionalizados, viviam em intermináveis reuniões e à noite ainda íamos com eles a constantes sessões de esclarecimento, de onde toda a gente voltava a discutir imenso quebrando-se assim, no nosso entendimento, o propósito da ida; na escola, à semelhança dos adultos, organizávamos também a nossa revolução, com as Assembleias Gerias de escola, as nossas sessões de esclarecimento e as nossas campanhas pelo A ou pelo B, com vista à eleição dos nossos representantes. Recordo desses tempos o ambiente de debate que dominava a sala de aula, os nossos malogrados cultivos agrícolas no que tinha sido o jardim da escola, os Estudos Sociais em vez da História, Fernão Mendes Pinto em vez de Camões, os trabalhos sobre Karl Marx ou Engels, a ânsia dos professores em nos darem tudo aquilo a que não tinham tido acesso, em nos educar como cidadãos responsáveis e democratas, capazes de, como os nossos pais, apaixonadamente discutir tudo. Como mais tarde me esclareceu Eduardo Lourenço, em O Labirinto da Saudade, nessa época Portugal estava em discussão. Eu, tinha sido testemunha.
Pensar esse Portugal em discussão, a partir de Eduardo Lourenço e sob a metáfora do regresso, não só português, mas também europeu, tornou-se o objecto do meu trabalho inicialmente acompanhado por dois académicos que tinham partido do Portugal salazarista por razões políticas e que, em meados dos anos 90, continuavam em Inglaterra, agora por opção.
Com eles aprendi a, como Eduardo Lourenço, olhar de fora o meu país e a questionar tudo, nomeadamente a espessura de séculos dessa metáfora do regresso: Helder Macedo, atento e rebelde leitor de Eduardo Lourenço e Luís de Sousa Rebelo, irmão de geração do ensaísta. Pela mão de Camões, como não podia deixar de ser sob a égide de Helder Macedo, comecei a questionar essa história de regressos, que nos compõe e nos explica como nação que ao longo dos séculos pelo império imaginou o centro, que Camões nos atribuiu no poema épico. Aí, no momento épico da partida para a viagem que traria o império, tão angustiadamente narrada, tão cheia de dúvidas e incertezas7, começa a tecer-se o labirinto da saudade que Eduardo Lourenço evoca para no pós-25 de Abril de 1974, repensar Portugal». In Margarida Calafate Ribeiro, Uma Outra História de Regressos: Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Cátedra Eduardo Lourenço, Universidade de Bolonha, Instituto Camões, Dezembro de 2007.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT

A Sátira na Literatura medieval Portuguesa (séculos XIII e XIV). Mário Martins. «Defendia as ordens religiosas e nada mais. Um santo procura ter em conta «o homem e a sua circunstância», como diria Ortega y Gasset. Porém, condena os erros e fustiga a Cristandade, implacavelmente, de alto a baixo. Cafarnaum quer dizer campo de fartura e quinta de recreio…»



Cortesia de wikipedia e jdact

A Sátira na Pregação do século XIII
Sermões de Santo António
«Em certas ocasiões, era um fundibulário terrível, Santo António de Lisboa. Morreu em 1236. Doutro pregador seu contemporâneo, frei Paio de Coimbra, da Ordem de S. Domingos, ficaram-nos mais de quatrocentos esquemas de panegíricos, em letra de 1250. Entre eles, figuram dois sermões em louvor de Santo António, ou Fernando, diz ele.
Apesar da violência da sua crítica, Santo António não atacava às cegas. Por exemplo, não chamou «cão danado» a Ezzelino. Em paga, é histórica a apóstrofe contra o arcebispo Simon de Sully, pouco amigo dos franciscanos: «Tibi loquar, cornute»... Eis que me vou dirigir a ti, mitrado. Em rigor, nenhuma injúria pessoal e cornute foi mal traduzido por alguns. Defendia as ordens religiosas e nada mais. Um santo procura ter em conta «o homem e a sua circunstância», como diria Ortega y Gasset.
Porém, condena os erros e fustiga a Cristandade, implacavelmente, de alto a baixo. Cafarnaum quer dizer campo de fartura e quinta de recreio, explica ele. E aqui se representam as quatro abominações da Cristandade:
  • clérigos soberbos;
  • religiosos mandriões como um «fruto gordo», roídos pelo verme da concupiscência; 
  • seculares postos na miséria, como pobres camponeses;
  • finalmente, ricos gozadores que, por conseguinte, se esquecem de Deus.
Neste por conseguinte está a condenação da riqueza transformada em prazer, condenação mais actual, agora, pela sua universalidade, do que no século XIII. Os prelados orgulhosos adoram o «ídolo do interesse», violam o corpo de Cristo e espezinham a Igreja. Os religiosos enfatuados são idólatras da soberba, da gula e da luxúria, colocando acima de tudo os amigos, sobrinhos e parentes. E estes rastejam, como répteis, a lamuriar-se. Que fazem os abades e priores das rendas dos conventos? O que lhes sobra não pertence aos pobres? A terceira abominação é a riqueza mundanal, amiga da luxúria. Quantos se lamentam hoje da prosperidade antiga! Chegam mesmo a perder a fé, portando-se como vilões. Alegrem-se!
Antes isso do que gozar das riquezas. Outros andam atrás da glória e, para a conquistar, chegam a «adorar o homem». São estes os demagogos, diríamos hoje.
Poucos fazem ideia da força espiritual destes adversários do luxo estéril, da gloríola e da vida fácil. Força espiritual e verbal. Quase todos mamam, diz o pregador, nos úberes da gula, da luxúria e da Grande Meretriz que embriaga os homens com o vinho da sua prostituição. O Menino Jesus, no presépio, jaz envolto em paninhos e não em vestes luxuosas de peles! Vestem-se com luxo pecadores e meretrizes! E até certos prelados efeminados parecem mulheres que vão casar-se! Selas pintadas, arreios e esporas de grande valia, tudo isto tem a cor do sangue de Cristo, do sangue espremido dos pobres.
Que moleza! Nas igrejas, só gostam de frases cantantes e aduladoras. No coro, «requebram a voz». Outros engrossam-na no púlpito, multiplicam as citações, torcem a Bíblia, tudo por vaidade. Acreditem-me! São mercenários, vendem-se como as prostitutas, pregam-se a si mesmos e não a Cristo. Resultado: não pescam nenhum peixe mas, sim, qualquer «rã palradora» para os gabar. E a maledicência? Ela anda pelas praças, gárrula e vagabunda, perturbando a todos sem descanso.
Que porcaria de língua e quanta imundície! As palavras não voltam à boca e temos de responder por elas. Por outro lado, temos o hipócrita, figurado pelo avestruz. Os falsos religiosos, como o avestruz, têm asas e não voam. O falcão, sim, que paira nas alturas da contemplação. Vaidosos como um pavão de penas vistosas, fazem a roda com a cauda e mostram o rabo vergonhoso. Gabam-se disto, gabam-se daquilo, e lá vão fazendo a roda e figura de parvo. A hipocrisia penetra nas casas, seduz as mulheres, engana com palavras bonitas e gemidos falsos, a ponto de ninguém a poder acusar, pois logo a defendem!
Agora, temos a gula comilona. Não espera pela hora, excita o apetite com vários molhos, mete no estômago alimento a mais, toda ela é barriga e malga. Os glutões cercam a malga como se estivessem a sitiar um castelo! E o comilão «todo ele» come, à mesa, à maneira dum cão, na cozinha, que não quer outro ao pé dele.
Passemos aos gozadores luxuriosos. Embebedam-se na taça de ouro de Babilónia, quer dizer, na riqueza. Em tais almas não entra a palavra de Deus e lembram-nos as esterqueiras apodrecidas onde nascem os quatro vermes da fornicação, do adultério, do incesto e do pecado.
Quanto à ambição, tem por figura o cavaleiro do Apocalipse, montado no cavalo vermelho. Não se aquieta, aspira a ser bispo, vai subindo sempre, até dar no Inferno. Anda em torno, simula, dissimula e rasteja de pés e mãos, para se apoderar do património de Cristo. Atrás, segue a discórdia, nascem os prelados simoníacos e matam-se uns aos outros, como se fossem ladrões. Matam-se dizendo mal uns dos outros, murmurando baixinho ou ladrando alto. Um acusa o outro e passam o tempo em demandas, em clamores e em vexações». In Mário Martins, A Sátira na Literatura medieval Portuguesa (séculos XIII e XIV), Biblioteca Breve, volume 8, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Pdf, 1986.

Cortesia de Biblioteca Breve/JDACT

História e Mistérios dos Templários. Pedro Silva. «Essa doutrina foi absorvida pelo pensamento papal a fim de que os peregrinos também fossem armados e capazes de se defenderem dos sarracenos. São Bernardo era um clérigo de capacidade intelectual invejável e de um profundo sentimento religioso, superando com esses méritos os seus pares»


jdact

Nascimento da Ordem
«Nela a Igreja do Santo Sepulcro reportava os fiéis à ressurreição de Cristo. Em 1118 já sob o domínio cristão, os caminhos que davam acesso aos locais da fé eram bastante perigosos, por causa de emboscadas constantes praticadas pelos mais diversos tipos de malfeitores, salteadores e estupradores que viviam em cavernas nas colinas da Judeia e aguardavam o desembarque de peregrinos em Jafa ou Cesareia. Um dos locais da fé bastante trilhado pelos peregrinos ficava a leste de Jericó, no rio Jordão, onde muitos cristãos eram rebaptizados em suas águas. Actos criminosos eram praticados por saqueadores sarracenos e bandoleiros beduínos contra os que peregrinavam entre a costa marítima e a cidade, factos comprovados por documentos da época que descreviam os caminhos repletos de corpos humanos insepultos já em estado avançado de decomposição. Motivados, em princípio, pela defesa desses caminhos, eis que surgiu então um grupo de cavaleiros cristãos o qual foi formado primeiramente por três grandes personalidades da França: Hugo de Champagne, Hugo de Payns e São Bernardo. Em 1114, o nobre Hugo de Champagne, dono de um dos mais valiosos conjuntos de possessões na França, deslocou-se por um breve período entre o Oriente e a sua terra natal, na qual se encontrou com São Bernardo, um fervoroso seguidor de Santo Agostinho de Hipona, cuja doutrina justificava o uso da violência, quando praticado em legítima defesa.
Essa doutrina foi absorvida pelo pensamento papal a fim de que os peregrinos também fossem armados e capazes de se defenderem dos sarracenos. São Bernardo era um clérigo de capacidade intelectual invejável e de um profundo sentimento religioso, superando com esses méritos os seus pares. Hugo de Champagne manteve com ele diálogos tão esclarecedores e transcendentes, a ponto de os estudiosos não duvidarem de que ambos lançaram os fundamentos do regimento da futura ordem.
Antes de abandonar a Europa, Hugo de Champagne ofereceu a Abadia de Clairvaux a São Bernardo. Já no Oriente, Hugo de Payns, vassalo de Hugo Champagne, surgiu como o último vértice do triângulo fundamental nos primórdios da constituição da ordem religiosa. Hugo de Payns, com o poder e o apoio de seu senhor, também tornou-se amigo de São Bernardo e profundo conhecedor de sua doutrina e obra, as quais lhe causaram profundo sentimento religioso e repúdio aos crimes cometidos contra os peregrinos. Em 1118, juntamente com Godofredo de Saint-Omer, outro valoroso cavaleiro, resolveram fundar uma ordem religiosa e militar conhecida por “Pauperes Commilitiones Christi Templique Salomonis”, ou seja, "Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão", e passaram a ser chamados sucessivamente de "Os Pobres Soldados de Jesus Cristo e do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo", "Os Templários", e finalmente "O Templo". Adoptaram a divisa “Non nobis, Domine, non nobis sed nomini tuo da gloriam”,
"Não para nós, Senhor, não para nós a glória, mas só em teu Nome".

Alguns meses depois, juntaram-se a eles outros cavaleiros: Geoffroy Bisot, Payen de Montdidier, Archambaud de Saint-Aignan, André de Montbard (tio de São Bernardo), Gondemar e Jacques de Rossal. Este pequeno grupo foi recolhido por Balduíno I numa das mais modestas acomodações do “Templum Salomonis” (Templo de Salomão), em Jerusalém, e teve inicialmente como objectivo a protecção dos peregrinos e como votos iniciais a pobreza, a castidade e a obediência. Quando, algum tempo depois, o rei Balduíno I abandonou o Templo de Salomão, este não se eximiu de oferecer a totalidade das instalações àquela ordem religiosa e militar, derivando daí o nome pelo qual passou a ser comumente conhecida: Ordem do Templo, composta por nobres cavaleiros dispostos a defenderem a fé cristã com a própria vida. Para eles a fé inabalável em Deus e a disposição em defendê-la até com o uso da violência não causavam nenhum drama de consciência, nenhuma contradição que os dissuadisse desse intento, embora a exortação de Jesus Cristo fosse oferecer a outra face, fundamento cristão pregado pela Igreja primitiva. No entanto, era preciso considerar o momento histórico de então, quando havia a necessidade imperiosa de defesa da Igreja perante uma fé muçulmana sempre baseada na força. Nesses cavaleiros estava incutida a ideia de que matar em nome de Deus era justificável e de que morrer por Ele, santificável». In Pedro Silva, História e Mistérios dos Templários, Rio de Janeiro, Ediouro, 2001, ISBN 85-00-00757-5, PDF.

Cortesia de ediouro

Cortesia de Ediouro/JDACT