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1ª Parte
«’O Crime de Arronches’ (e não ‘Um Crime em Arronches’) faz parte de um
considerável e diversificado rol de obras literárias que Henrique Lopes de
Mendonça cultivou. O seu nome é pouco (re) conhecido - quando comparado com
outros vultos da nossa literatura, apesar de ser o autor da letra do nosso Hino
(“A Portuguesa”) e de ter sido sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa
e da Academia Brasileira de Letras e de ter estado ligado à sociedade Portuguesa
de Autores (SPA) pois foi o primeiro presidente da Assembleia geral da mesma.
Foi oficial da Marinha Portuguesa e isso permitiu-lhe incluir na sua
produção literária obras como ‘Estudos sobre os navios portugueses nos séculos XV
e XVI, tendo-se destacado igualmente pelas suas peças de teatro (algumas foram
mesmo representadas), romances históricos, libretos para óperas e operetas. De
entre as primeiras são de salientar “Nó Cego”, e “Azebre”, (ambas de tendências
naturalistas) “Afonso de Albuquerque”, “A Morta” (premiada em 1888) e “O Crime
de Arronches”. Esta peça em quatro actos, escrita entre Agosto e Outubro de
1923 e pela primeira vez representada no teatro Nacional Almeida Garrett em 19
de Abril do ano seguinte merece atenção especial pois a acção da mesma decorre
em Portalegre, Crato e Arronches situando-se cronológica e historicamente nos
meados do século XVI, reinado de João III. De entre os seus personagens (cerca
de quinze) sobressaem:
- o Alcaide-mor do castelo de Arronches (André Sousa),
- o seu serviçal e rendeiro (Palhoça),
- a esposa deste (Margarida),
- o criado do Bispo da Guarda (Tição),
- o juiz do Crime,o Carpinteiro Ventura, entre outros.
De diálogos vivos e interessantes, repleto de ditos e expressões
próprias da época (?) “O Crime de Arronches”, dá-nos a conhecer relações de
poder e mentalidades próprias dessas mesmas relações bem expressas nas
atitudes, comportamentos e reacções das personagens. Partindo de um caso quase típico
de assédio e que o povo,principalmente as mulheres, tão bem percebe, a acção
transporta-nos às tavernas, aos pichéis, às azeitonas, aos jogos de cartas e às
(habituais) bebedeiras. A inveja, a simulação, a artimanha, o ciúme, a vingança
e a morte estão igualmente presentes. Menos visíveis, mas sempre presentes, nos
surgem os conflitos sempre latentes entre a Nobreza e o Clero (entre o Alcaide
e o Bispo) e peões respectivos, conflitos estes que nem passam despercebidos ao
povo. A Justiça do Clero (a justiça divina ou apresentada como tal) e a justiça
da Coroa ou do Estado, sempre divergentes na obra estão bem patentes nestas
palavras de Dona Maria Manuel, mulher do Alcaide-mor do Castelo de Arronches
acerca da condenação do Palhoça:
- "O Senhor Bispo da Guarda logrou seus intentos junto dos juízes da Casa da Suplicação...O mísero Palhoça por eles foi sentenciado a pena última...".
Estas divergências realçam bem o contexto social e político em que a
peça se insere. Para confirmar estes conflitos entre os vários poderes que se
digladiam no Portugal
dos inícios da Era Moderna reparemos nas palavras do Juiz (do Crime)
dirigidas ao Alcaide-mor de Arronches e na resposta deste àquele:
- "senhor Alcaide-mor de Arronches, ouso lembrar-lhe que terá de prestar estreitas contas à justiça régia" (palavras do iuiz);
- "a Sua Alteza as darei, que não a Vossa Mercê" (palawas do Alcaide).
Lembremos que Sua Alteza era o rei João III.
In Fernando Figueiredo Martinho, O Crime de Arronches, Revista
Plátano, nº 4, 2008, Fórmula Gráfica.
Cortesia do Plátano/JDACT