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«A actividade censória existiu e existe em todos os regimes
autoritários. Os tiranos buscaram sempre controlar a expressão dos seus súbditos;
e se há censura à expressão oral, muito mais se aperta ela à escrita, dado que
a audiência desta pode ser muito mais vasta e qualificada. Daí que vejamos, no
século XV, tanto o poder civil como as forças religiosas utilizarem a Imprensa
recém-aparecida na sua propaganda, na defesa dos seus direitos e no combate aos
seus adversários.
O poder de comunicabilidade aproxima os homens; por isso não é de estranhar
o serem contemporâneas da Imprensa as palavras humanismo e humanista.
Ressuscitavam-se as ‘letras humanas’ clássicas, tanto gregas como latinas; mas,
com as letras humanas, se consciencializaram os homens dos seus direitos. ‘Esse
termo "humanista" existe desde o século XV na Itália e desde o século
XVI na língua de outras regiões da Europa: começou a designar, há pouco mais de
cento e cinquenta anos, a fase histórica das “humaniores litterae” de uma época
prestigiosa, apelidada, talvez não adequadamente, de Renascimento’. O
Humanismo pode datar-se, em Portugal, ‘dos finais do século XV, mas
exactamente, datável de 1485 em diante’. É o ano da chegada a Portugal de
Cataldo Parísio Sículo, chamado a Lisboa para professor do infante Jorge, filho
natural de João II.
O intercâmbio com a Europa culta existia; acentuara-se desde o começo
da dinastia de Avis; mas torna-se uma corrente grande desde o final do século
XV, em toda a primeira metade do século XVI e até final do Concílio de Trento.
O Renascimento marcou sobremodo a nossa vida cultural e abarca no seu movimento
as relações estabelecidas com os novos países africanos descobertos e as terras
do Oriente, de novo contactadas pelos portugueses. A comunicabilidade estabelecia-se
à escala mundial e não apenas europeia. Era a experimentação, novos
conhecimentos científicos, que as navegações portuguesas traziam para a Europa.
Muitos foram os mestres estrangeiros trazidos a Portugal, no tempo de
João II, de Manuel I e, sobretudo, de João III; mais ainda os portugueses que
iam estudar em Salamanca, em Paris, em Pádua, noutras universidades. E muitos
dos alunos se tornaram professores nessas mesmas universidades, enquanto outros
vinham ensinar nas escolas portuguesas. A curiosidade de saber era grande, comunicando-se
até a homens de negócios, como será Damião de Goes. Note-se que vários
humanistas, dos que hoje chamaríamos intelectuais, estiveram interessados em
tratos comerciais com a Índia e com o Brasil.
Tão agitados
na vida política e religiosa como o foram na vida intelectual, esses últimos anos
do século XV e primeiro quartel do século XVI assistiram à expulsão dos judeus,
primeiro de Espanha, depois de Portugal. Muitos deles foram atirados para Cabo
Verde e houve chacinas como a de Lisboa, em 1505, iniciada na igreja de S.
Domingos e que causou milhares de mortos. A Coroa vivia entre a necessidade de
dinheiro e a pressão do ódio popular a essa raça activa, singularmente dotada
para as pequenas indústrias e o comércio. Os Reis Católicos, empenhados em
fazer a unidade peninsular, ainda antes da conquista de Granada e de expulsos
os mouros, estabeleciam a Inquisição (maldita) (1478). A unidade da fé era a
preocupação primeira dos reis e quaisquer laivos de heresia arrastavam fosse
quem fosse aos cárceres. Nos começos do século XVI, o próprio arcebispo de
Granada, Fernando de Talavera, será perseguido pelo inquisidor de Córdova; e o arcebispo
de Toledo, Bartolomeu de Carranza, enfrentar-se-á com o inquisidor-geral
Fernando de Valdés. As ‘Instruções’ de Tomaz de Torquemada eram código severo.
Não era apenas o judaísmo que se peneirava, nas ideias. Era tudo quanto pudesse
rer suspeito à fé e bons costumes.
Se as relações portuguesas com a Europa são intensas, muito mais intensas
o são as relações da Espanha, através da Flandres, da Alemanha e da Itália». In
Raul Rego, Os Índices Expurgatórios e a Cultura, Biblioteca Breve, Pensamento e
Ciência, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1982.
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