segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cultura. Civilização. António José Saraiva. «Quando se inventaram as trocas, o pagamento pode ter aparecido como uma forma de “apaziguar” os assaltantes (pagar vem de “pacare”, derivado de “pax”). À medida que se desenvolveu a especialização do trabalho, foi preciso inventar uma mercadoria que contentasse os diversos feirantes»



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A ciência antiga e a ciência moderna
«A guerra foi sempre um grande estímulo para a tecnologia, e nem sempre o foi para a ciência. Os caminhos de ferro foram, pouco a pouco, inventados e aperfeiçoados por simples artesãos, na base de conhecimentos empíricos acumulados, e estão na origem da Revolução Industrial inglesa. Mas a ciência grega, segundo alguns estudiosos, desenvolveu-se graças às discussões políticas na ‘ágora’, ou assembleia da cidade, que exigiam uma troca de argumentos entre os partidos e os candidatos. Por isso, entre os Gregos, a dialéctica foi a ciência mais cultivada. A Idade Média prosseguiu nesta tendência, sendo a dialéctica, a geometria e a retórica a base dos estudos superiores. Só no século XVI a experiência se tornou o fundamento das ciências e em Portugal só no século XVIII a retórica deixou de ser a base do ensino. Como diz um estudioso, “a ciência grega é aquela que permite agir sobre os homens e não transformar a natureza”. Nos nossos tempos, a palavra ‘retórica’ ganhou uma conotação depreciativa, se bem que o ilusionismo retórico continue a ser usado como dantes nas argumentações políticas. Com a superstição dos números, tomou vulto uma nova figura de retórica: a citação estatística, que, para muitos leitores, é como uma prova que ajuda a parecer verdadeira e indiscutível a tese que se quer demonstrar.
Essa figura de retórica é própria dos tempos modernos.

Como nasceu a moeda
Uma das invenções decisivas para as sociedades humanas foi a moeda como instrumento universal de troca. Começou por haver o roubo à mão armada, dando origem às pilhagens, à pirataria e, de uma maneira geral, à guerra.
Quando se inventaram as trocas, o pagamento pode ter aparecido como uma forma de “apaziguar” os assaltantes (pagar vem de “pacare”, derivado de “pax”). À medida que se desenvolveu a especialização do trabalho, foi preciso inventar uma mercadoria que contentasse os diversos feirantes. Entre os nómadas pastores, as cabeças de gado desempenharam durante algum tempo essa função (em latim, “pecunia” vem de “pecus” gado), mas outros materiais a podiam desempenhar, como, na América dos tempos coloniais, o tabaco em rama, que tem a vantagem de ser indefinidamente divisível e facilmente transportável. Finalmente, adoptou-se um metal valioso e também divisível, cobre , prata, ouro, que se pode fazer representar por um papel onde esteja escrita a respectiva equivalência em metal. Assim se constituiu a moeda “fiduciária”, isto é, a moeda cujo valor resulta da “confiança” que se atribui ao seu valor declarado.
O cheque é a forma extrema de moeda fiduciária. Depende da confiança que o aceitante e o pagador depositam em quem o emite. A vantagem da moeda nas suas várias formas é acelerar a circulação do mercado. As mercadorias vão sendo substituídas por papel fiduciário. No dia em que o papel fiduciário escasseasse ou desaparecesse, as mercadorias teriam dificuldade em circular. Para o comércio mundial são indispensáveis duas condições: a mercadoria (incluindo a matéria-prima) e o seu representante, a moeda. É a relação entre as duas que provoca as oscilações da inflação». In Cultura, António José Saraiva, Difusão Cultural, 1993, ISBN 709-972-154-7.

Cortesia de Difusão Cultural/JDACT