terça-feira, 8 de maio de 2012

Portugal e a Ásia Oriental. João de Deus Ramos. «A título de exemplo, repare-se que, enquanto a esmagadora maioria dos países tratam a China por “China”, a Rússia, até aos dias de hoje, a trata por “Cataio”. O Cataio era bem conhecido de todo o Ocidente medieval, mas a confirmação, no século XVII, que “China e Cataio” eram a mesma realidade…»



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Designações dadas pela China a Portugal
«Os contactos do Império do Meio com o Ocidente datam dos primeiros séculos antes de Cristo, quando comerciantes e aventureiros através da Ásia Central e pela Rota da Seda, ligavam o Mediterrâneo levantino à China.

NOTA: Não se pode precisar a data dos primeiros contactos. “À seres”, ao país da seda, se referem os autores clássicos, e à atracção que aquele produto exercia na Grécia e em Roma. Sabe-se que cerca de 150 a. C. o general Zhang Qian foi enviado pelo Imperador Wu da dinastia Han em missão oficial ao Ocidente.

Viajantes anónimos, o seu rasto ficou no domínio da arqueologia ou nas referências gerais das histórias dinásticas chinesas. Este tipo de contactos manteve-se durante alguns séculos. A interrupção determinada pela pujança nascente do mundo islâmico, que isolou a Europa da Ásia Central, duraria uns seiscentos anos, só voltando a restabelecer-se os velhos trilhos da Rota da Seda aquando da “pax mongólica” e do ‘Século Franciscano’, no Cataio, do século XIII ao XIV.
É a época de Rubruquis, de Carpine e também dos Polos, dos viajantes religiosos, comerciantes e aventureiros. Neste período surgem os relatos de viagens, a génese do intercâmbio entre Ocidente e Oriente no mundo moderno que dealbava. Mas só no século XVI teve início, para o Ocidente, o conhecimento científico da China, o estudo sistemático da sua civilização e cultura, os alicerces da sinologia como disciplina autónoma das ciências sociais, tal como ainda hoje a entendemos. Ensaiaram-se os primeiros passos no relacionamento entre Estados/nações à luz da emergente ordem jurídica internacional, em que Portugal teve um papel predominante e fulcral:
  • a chegada do primeiro português a terras da China, Jorge Álvares, em 1513, a malograda embaixada de Tomé Pires à Corte do Filho do Céu, uns cinco anos depois, o início do trato nos mares da China meridional e o estabelecimento de Macau, em meados do século e, um pouco mais tarde, a espantosa gesta jesuíta na China, apoiada, por um lado, no ímpar escol da primeira geração e, por outro, no impulso dado pela Coroa de Portugal ao Padroado do Oriente e à Sociedade de Jesus.
Para o estudo da história do relacionamento entre nações, é útil conhecer o imaginário recíproco. Mas é difícil, em regra, que esse conhecimento seja equilibrado, não poucas vezes a historiografia daquele relacionamento sendo obra de nacionais de uma delas. O caso das relações entre Portugal e a China, diria que é paradigmático. Ao conhecimento da riqueza das fontes de um, não corresponde equivalente conhecimento das fontes do outro; os historiadores portugueses conhecem mal as fontes chinesas, e os chineses, as nossas. A imagem recíproca que temos uns dos outros resulta assim distorcida, levando a equívocos, a teses simplistas que viciam o processo de construção da História do mais antigo relacionamento permanente entre o Ocidente e o Oriente.



O nome, ou designação, dada por um país a outro, pode conter poucas indicações sobre o percurso das relações entre ambos, ou sobre o conteúdo passado delas. Outras vezes, porém, não é assim. A título de exemplo, repare-se que, enquanto a esmagadora maioria dos países tratam a China por “China”, a Rússia, até aos dias de hoje, a trata por “Cataio”.

NOTA: O Cataio era bem conhecido de todo o Ocidente medieval, mas a confirmação, no século XVII, que “China e Cataio” eram a mesma realidade, fixaram a primeira designação enquanto a segunda caía em desuso.

Para além disso, o tipo de escrita é relevante nesta matéria: se a escrita fonética judaico-cristã e árabe tende a obnubilar a origem e substância das relações, já a escrita figurativa do mundo sínico tende a conservar, nas próprias designações, aplicadas a si mesma e aos outros, o significado daqueles aspectos.

NOTA: O aspecto figurativo na escrita é importante mas não é único, havendo também a componente fonética, o que permite a existência de um alfabeto fonético chinês, sendo o mais recente e oficial o ‘Pinyin’.

O sentido intrínseco dos caracteres chineses não se perde por completo mesmo quando utilizados por razões fonéticas. É o caso dos nomes que a China, ao longo dos tempos, atribuiu a Portugal. São curiosos em si e são, ao mesmo tempo, indicativos dos conhecimentos sobre o nosso país e sobre o estado das relações entre ambos. A história do relacionamento luso-chinês fica incompleta se desconhecermos as designações com que fomos identificados ao longo dos tempos». In João de Deus Ramos, Portugal e a Ásia Oriental, Fundação do Oriente, 2012, ISBN 978-972-785-102-7, Comunicação apresentada à Academia Portuguesa da História, 5 de Abril de 1995.

Cortesia da F. Oriente/JDACT