terça-feira, 8 de maio de 2012

Joana, “a Louca”. Rainha Joana I de Espanha. «O pátio estava agradavelmente fresco, apesar do sol de Julho. Isabel, Fernando e a família achavam os meses de Verão no Norte de Espanha muito mais a seu gosto que no Sul, onde o calor intenso e o sol abrasador tornavam a vida quase insuportável. Naquele ano, haviam decidido ir até Almazán»


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«A rainha Isabel predissera que a data da partida de Joana chegaria ‘num abrir e fechar de olhos’. Desde aquele frio dia de Janeiro, os meses haviam passado a correr e Joana encontrava-se agora sentada na companhia da mãe a fazer as últimas verificações dos itinerários. Não estava particularmente bem-disposta.
Todo aquele assunto se tornara bastante desagradável. Começara bem, com a discussão do inventário da mobília e dos materiais para o seu novo e magnífico guarda-roupa. Ficara encantada com o conteúdo da caixa de jóias, prenda dos seus pais. Como se divertira a modelar as fiadas de pérolas, os fios de ouro, os belíssimos brincos.
Com os dedos carregados de anéis, fizera-os dançar quais borboletas, em volta da mãe, com as pedras preciosas nos seus aros de ouro a cintilar. Pareciam duas raparigas. Seguiram-se assuntos mais sérios, começando pela pensão que receberia para si própria e o seu pessoal. Seria atribuída pelo marido, tal como João daria a Margarida uma quantia semelhante. Era uma anuidade de vinte mil escudos, extremamente avultada, mas não era necessário maçar-se com os pormenores, pois disporia de um tesoureiro que trataria das contas fastidiosas.
A escolha das damas de companhia irritara-a a tal ponto que insistira em adiar a decisão até mais tarde, quando fosse, talvez, possível chegar a um compromisso. Assim, nenhuma ficou surpreendida quando, ao ouvir a escolha da mãe relativa ao seu confessor, Joana se tivesse revoltado, e recusasse, gritando:
- Não! Não o quero. É a vossa escolha, não a minha. Nunca me confessaria a ele. Não gosto nem confio nele. Mãe, insisto em ter alguém que eu saiba que me apoiará e não uma pessoa escolhida apenas para me espiar. Havei-lo escolhido porque não confiais em mim!
- Joana, lembrai-vos de quem sois, e do que estais... - principiou Isabel.
O bater de cascos em tropel sobre o empedrado que encheu o pátio pôs felizmente fim à discussão.
- Deve ser João! - exclamou Joana, e Isabel concordou com um aceno de cabeça; seria uma bênção, pois era impossível fazer qualquer progresso naquele dia. Joana fez menção de se levantar, mas viu-se impedida pela pressãoda mão da mãe sobre o seu pulso, exigindo-lhe que ficasse sentada.
Olhou para Isabel com uma expressão que era um misto de ira e desespero e a mãe cedeu, retirando a mão e deixando-a ir. Como um animal libertado de uma armadilha, Joana ergueu-se de um salto.

Lá em baixo, no pátio, João e o seu escudeiro desmontaram e entregaram as rédeas aos cavalariços que haviam acorrido, ávidos da honra. Os outros membros da sua casa continuavam a chegar, cada um cumprimentado e recebido da mesma forma. Joana correu pela galeria, lançando breves olhares à excitação lá em baixo. Então, demasiado impaciente para esperar, debruçou-se sobre a balaustrada e bateu as palmas, chamando-o. Ele ergueu o olhar, viu-a e lançou-lhe um grande sorriso. Acenou com o enorme chapéu de viagem, fingindo ter de evitar a nuvem de pó saída da imensa aba antes de lhe fazer uma vénia exageradíssima. Joana riu-se, levando os dedos à boca, e correu para o seu quarto, para junto da mãe, a discussão já esquecida.

O pátio estava agradavelmente fresco, apesar do sol de Julho. Isabel, Fernando e a família achavam os meses de Verão no Norte de Espanha muito mais a seu gosto que no Sul, onde o calor intenso e o sol abrasador tornavam a vida quase insuportável. Naquele ano, haviam decidido ir até Almazán. A partir daí, seria mais conveniente para Isabel no que dizia respeito a supervisionar os pormenores relativos à viagem para a Flandres, enquanto Fernando podia visitar a corte em Saragoça as vezes que entendesse, especialmente naquele período conturbado entre Aragão e a França.
Fora ali, havia apenas uns dias, que João, herdeiro do trono, fora investido como príncipe das Astúrias, o que lhe concedera as cidades, as terras e os rendimentos pertencentes ao título. Aquele castelo, erguido no alto de um monte com vista para um vale belíssimo, fazia parte do dote e João começara já, a mobilá-lo a seu gosto, uma residência de Verão para si próprio e para a sua noiva.
As duas damas passaram da sombra para o calor da luz do Sol naquele princípio de tarde. O doce perfume estival do jasmim e das rosas que se enroscavam em volta das colunas da arcada espalhava-se no ar.
João e o escudeiro supervisionavam o descarregamento de tapeçarias, enormes baús com baixela de ouro e de prata e grandes candelabros. Isabel aproveitou a oportunidade para afagar o pelo castanho do pescoço da montada do filho. Os seus pensamentos recuaram no tempo, recordando os aromas húmidos e terrosos dos dias em que ia caçar javalis nas florestas sombrias, iluminadas por clarões de ouro outonal. Conseguia ainda ouvir o bater diligente dos cascos, o ranger do cabedal, o tilintar dos arreios e dos freios, o resfolegar dos cavalos, ansiosos pela caçada. Nada se comparava àquele regozijo, àquela excitação. Agora era demasiado velha. Suspirando, deu palmadinhas no flanco do animal.
João avistou a mãe e veio beijar-lhe as mãos estendidas. Os criados detiveram-se, baixando respeitosamente a cabeça, até terminarem as saudações e poderem continuar a descarregar as carroças, antes de levarem os bois». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.


Cortesia de E. Presença/JDACT