terça-feira, 29 de maio de 2012

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «Rodrigo, a quem temos aludido várias vezes, alcunhado de ‘Raposa’, representou em Portugal o tipo mais acabado de político parlamentar profissional, absolutamente destituído de programas sérios, dextro e experiente na intriga parlamentar e nas manobras de bastidores que as preparam»



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Herculano perante a Regeneração
«O “élan” da revolução, que vinha do Setembrismo, estava quebrado desde que ela se contentara com uma meia vitória; e a única organização que continuava efectivamente a funcionar era a rede de influências e relações dos antigos políticos cartistas. As condições internacionais eram também desfavoráveis a este governo, que representava uma excepção e um anacronismo numa Europa reaccionária. A ressaca facilmente varreria esta última e débil vaga do movimento de 48. Saldanha não era evidentemente a pessoa interessada em remar contra a corrente.
O pretexto para o rompimento da aliança em que se baseava o governo foi a questão dos crimes políticos do Cabralismo. O ministro do Reino, Ferreira Pestana, decidira apurar as responsabilidades dos funcionários administrativos nomeados por Costa Cabral nas violências e irregularidades eleitorais do regime deposto. Saldanha opôs-se a esta obra de saneamento e limpeza, que parecia indispensável a uma verdadeira ‘regeneração política’, e que estava implícita no programa exposto na sua proclamação de Maio. Os ministros de tendência reformista viram-se obrigados a acompanhar o ministro do Reino na sua demissão: o duque de Loulé, Joaquim Filipe de Soure, Franzini, e Jervis de Atouguia.
Assim acabou, aquilo a que chamaríamos apropriadamente o ‘ministério Herculano’.
O novo ministério, que se apresentou em 7 de Julho, representava um triunfo para os políticos cartistas, Tinha por figura central Rodrigo da Fonseca, no Reino (hoje diríamos Interior); e como novidade, nas Obras Públicas, um moço engenheiro que apoiara discretamente o Cabralismo, António Maria Fontes Pereira de Melo.
Rodrigo, a quem temos aludido várias vezes, alcunhado de ‘Raposa’, representou em Portugal o tipo mais acabado de político parlamentar profissional, absolutamente destituído de programas sérios, dextro e experiente na intriga parlamentar e nas manobras de bastidores que as preparam.
Atribui-se-lhe a opinião de que fica mais barato comprar deputados já feitos, como as casas, do que pagar a eleição a deputados favoráveis. A sua péssima reputação levara o monarca Pedro, em 1834 a recusar a sua entrada no ministério. Fora em tempo amigo e protector de Herculano, que lhe dedicara em 1838 o primeiro fascículo da “Harpa do Crente”, e que lhe devia entre outras coisas a eleição para deputado pelo Porto em 1840. Entre Herculano e Rodrigo vai travar-se, até à morte deste, em 1858, um duelo feroz, que além de um fundo pessoal, mal conhecido, exprime o contraste entre duas políticas.
Herculano lançou-se imediatamente no combate ao ministério ‘rodriguista’. No mesmo mês de Julho em que este se constituiu, lançou “O Paíz”, diário financiado pelo Marquês de Niza, em que colaboravam além de Herculano, António de Serpa, Pinto Carneiro, Ernesto Biester, Bulhão Pato e Andrade Corvo, que figurava como redactor principal. O jornal acusava abertamente o governo de pactuar com o Cabralismo, de manter agentes cabralistas na administração, de alterar num sentido anti-democrático a lei eleitoral proposta pela comissão de que fizera parte Herculano. Com as eleições em Outubro considerou “O Paíz” terminada a sua missão». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

Cortesia de Edições SEN/JDACT