quinta-feira, 17 de maio de 2012

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «Com a morte do Rei Manuel I em 1521 chegaram ao fim os anos de formação de Góis. Mas dentro em pouco, além de cumprir tarefas oficiais, Gois pôde continuar a educar-se e a ter oportunidades para realizar a capacidade de intelectual que a vida no palácio de Manuel I estimulara»


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«Contudo a situação financeira do monarca Manuel I não era desesperada. Ainda lhe foi possível sobreviver a muitas crises; foi seu filho e sucessor João III quem sentiu todo o peso da demasiada expansão económica de Manuel I. Aos olhos dos contemporâneos, as falhas do rei e os seus erros de julgamento não eram suficientemente graves para ofuscar o esplendor e o deslumbramento da época. Toda a nação portuguesa apoiava inteiramente as viagens marítimas do reinado de Manuel I; o povo embriagava-se com as riquezas resultantes dos Descobrimentos e esperava receber o seu quinhão.
Não seria justo, apesar de tudo, ver nos lucros o móbil principal desses feitos. Como governante de Portugal, o rei também possuía o título de Grão Mestre da Ordem de Cristo; tinha plena consciência da oportunidade e da obrigação de espalhar a religião cristã por lugares distantes por esse mundo fora.
Finalmente, não se pode negar que o lado mais positivo do carácter de Manuel I compensava plenamente as suas limitações, pelo menos na opinião de Gois. Contra as acusações de insinceridade e de indecisão feitas ao monarca por alguns observadores ergue-se o quadro mais lisonjeiro que Damião de Gois faz do rei. O humanista, apesar dos seus reparos francos a Manuel I, via nele um soberano essencialmente generoso e de espírito aberto. Tentou mostrar esse aspecto do carácter do rei ao citar o exemplo de Albuquerque, que Manuel I mais tarde se arrependeu profundamente de ter maltratado, procurando remediar a situação. Góis também elogiou o rei pela reabilitação dos Braganças, mas a verdade é que o rei era dessa família. Muitos anos depois da morte do soberano, Gois escreveu um ‘retrato à pena’ no estilo realista típico do humanismo do Renascimento, no qual o descrevia como tendo traços físicos delicados e sendo bem proporcionado, embora os braços fossem invulgarmente compridos, com farto cabelo castanho e olhos esverdeados; Gois sublinhava a natureza simpática do rei, a sua liberalidade, e a atmosfera de contentamento que reinava na corte. O facto de Gois considerar Manuel I sinceramente como seu "creador" e "educador” sugere que o rei tinha notáveis qualidades de governo e talento como orientador.
Durante a adolescência de Gois o rei observava o ritmo regular do crescimento do jovem cortesão e achou-o manifestamente à altura das suas expectativas iniciais, pois que o nomeou para um importante posto no estrangeiro quando ele só tinha dezanove anos de idade. O facto de Góis estar presente na câmara real durante a última doença do rei prova o afecto sincero que o monarca sentia por ele.
Com a morte do Rei Manuel I em 1521 chegaram ao fim os anos de formação de Góis. Mas dentro em pouco, além de cumprir tarefas oficiais, Gois pôde continuar a educar-se e a ter oportunidades para realizar a capacidade de intelectual que a vida no palácio de Manuel I estimulara». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.


Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT