sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ruy de Pina. Crónica de D. João II. «Este Officio estorial, que nas letras, e na pluma consiste, que he assi-fielmente crara luz de nossa vida, e de nossa memoria, e das cousas passadas testemunha taõ verdadeira, que consirados com animo agradecido, os grandes e immensos beneflcios, que pera deleitaçaõ, proveito do corpo, e boa governança da vida…»



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Texto na versão original.

Introducçaõ
«De todas as Chronicas que trazem o nome de Ruy de Pina, esta d'ElHey D. Joaõ II. hé a que mais se deve estimar, pelo author ter sido naõ só testemunha de vista, mas taõbem actor em muitos dos factos que nella se relataõ. Já, neste seculo Miguel Ferreira se propôs dala ao publico, a quem a prometteo, no prologo da sua ediçaõ das Chronicas dos seis Reis, mas naõ chegou a cumprir a sua promessa, Para a presente ediçaõ nos servimos do exemplar da Torre do Tombo, que conferimos com outro de bastante antiguidade, que os Religiosos Benedictinos do Mosteiro de Lisboa, com a urbanidade que lhes hé propria, nos permittiraõ de examinar. Nas Chronicas precedentes seguimos servilmente a orthografia dos originaes, o que continuaremos a fazer nas seguintes, mas julgou-se a propósito supprimir as letras dobradas, de que se fazia hum estranho abuso nos tempos em que foraõ escritas, e cauzavaõ embaraço na impressaõ.

Começa a croniqua do muy eycellente Rey Dom Joham da Groriosa Memoria dos Reys o tredecimo, deste nome o segundo de Portugal, e o primeiro que se entitulou Senhor de Guiné.

Prologo de Ruy de Pina
Cavalleiro da Casa D'elre y Nosso Senhor e Cronista Mór, e Guarda Mor da Torre do Tombo de seus Reynos.

Este Officio estorial, que nas letras, e na pluma consiste, que he assi-fielmente crara luz de nossa vida, e de nossa memoria, e das cousas passadas testemunha taõ verdadeira, que consirados com animo agradecido, os grandes e immensos beneflcios, que pera deleitaçaõ, proveito do corpo, e boa governança da vida, e inteira salvaçaõ d'alma delle sempre recebemos, certo bem parece, que a bondade e prudencia Divina o outorgou soomente a nós os racionaes por graga mui singular, e bem sobre todos; e porque dos louvados, santos, e vertuosos eixemplos, e segura doutrina, que na estoria como em vida e imaserll se nos reprsentam sômos assi ensinados, que naõ sómente em nossos erros, e vicios naturaes nos esfriam, e refream pera com menos lembrança hos obrarmos, mas ainda pera as vertudes e crÍì.ro nome, em tanto amôr, e desejo nos acendem, que com dobrado coraçaõ, e huã vertuosa enveja nos esforçam, e obriguam pera conseguirmos a flnal tençaõ porque nacemos, que he vivermos sempre bem, porque moiramos melhor, e acabemos como devemos. E a cada hum de nobre esprito; póde ser assi mesmo mui autorizado eixemplo; pois he certo que nas taes lembranças, e contemplaçoës das eiccellentes cousas passadas, que assi lêmos, e ouvimos, em especial de nossos proginitores, e naturaeg, e logo secretamente sintimos que nos entra no coraçaõ húa veituosa envoja acompanhada de hum novo esforço, que pera sermos nobres, e justos, o verdadeiros, ousados, e boõs nos avia dobrado, e pera legitimanente conseguirmos per nossas obras groriosa fama de nossos maiores, nos costrange huma necesidade de sangue, e natureza com agudos, e receosos pongimentos de vergonha; de que se segue, que quando sobre elles outro maior merecimento de honra, e mais onrado nome naõ alcançâmos, ao menos porque naõ pareça que por nossa infamia, vicio, e minguoa se apaguou em nós sua tristeza, e resplandecente herança, que elles com verdades, é feitos notavees acenderam, trabalhamos por ser taes, que em algüa boa parte os semelhemos; pelo qual os Estoricos antiguos sentindo em aÌgum Principe passado hüa só vertude singular, elles per sua memoria, e bom eixemplo dos futuros sumamente lha louvávarq, e por ella avendo ho de mortal por immortal; e de umano por divino ho alevantavam até ho Céo; certamente assinada engratidaõ, ou barbara negrigencia seria, se a vida, craros feitos, muy Reaes perfeiçoês do muy alto, e poderoso Principe ElRey Dom Joaõ, deste nome ho segundo de Portugal, ou todafas ! opdades, e vertudes froreceram, ficáram por escrever, apaguadqs e pundenadas ao escuro esquecimento pera sempre, e antes assi he necessario ficar deste mui Real Principe esta sua groriosa memoria, que postoque até seu tempo naõ fôra custumado escrepver-se das bondades, e feitos notavees dialguem; deste bemaventurado Rey per hu singular, e maravilhoso ensino de Reis, era rezaõ que se começasse primeiro, e que por memoria de seu noume, groria…» In Ruy de Pina, Tesouros da História e da Literatura, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.

Cortesia de Lello e Irmão Editores/JDACT