terça-feira, 7 de agosto de 2012

Como Respiram os Astronautas. Manuel Paiva. Parte Ib. «Agora, já deve estar convencido de que a física não é fácil (se em vez da mecânica, tivesse escolhido problemas de electromagnetismo, os conceitos seriam mais difíceis). Devo então convencê-lo que vale a pena fazer o esforço para ter o prazer de compreender o que se passa à sua volta»


Cortesia de wikipedia

Um pássaro numa gaiola
[…]
A mecânica dos fluidos é muito complicada e como o ar é o fluido que enche os nossos pulmões, teremos que a compreender nem que seja um bocadinho. Este problema do passarinho na gaiola, que resulta de uma pergunta feita por um jovem estudante português, mesmo supondo que a experiência nunca foi realizada. Mas é mesmo disso que os bons físicos gostam. Prever o que se vai passar antes de fazer a experiência!
E é essa atitude que se deveria desenvolver nos pequeninos, ao mesmo tempo que se lhes ensina a ler e a escrever: uma atitude crítica e sem ideias preconcebidas, o que não é mais do que utilizar a experiência para chegar ao conhecimento ao mesmo tempo que se educa o espírito cívico. Primeiro, prever o resultado de uma experiência antes de a realizar. Depois, se há dúvidas quanto ao resultado, só a experiência designa quem tem razão e os que se enganaram aprendem, não só a admiti-lo, mas também a respeitar as opiniões dos outros!

A última expiração de Fernão de Magalhães
Imagine o Fernão de Magalhães, lá para os lados das ilhas Filipinas com uma flecha atravessada no tórax, tomando consciência que não daria a volta ao Mundo, deixando para mais essa honra a um... espanhol! Imagine que a sua derradeira expiração foi de três litros que era todo o ar que ele tinha nos pulmões.
A pergunta é: das moléculas de nitrogénio que saíram da última expiração de Fernão de Magalhães, quantas estarão neste preciso momento nos seus (do leitor) pulmões? Sei que você até parou de respirar, de tal modo a resposta parece evidente: ‘é quase certo que nenhuma!’, terá pensado. Pois engana-se: é mesmo capaz de ter neste preciso momento mais do que uma molécula! Para o convencer, basta fazer um cálculo que resulta só de duas hipóteses: depois da morte de Fernão de Magalhães, as moléculas de nitrogénio da sua derradeira expiração não participaram em reacções químicas e misturaram-se de maneira uniforme na atmosfera terrestre (cujo volume não é difícil de calcular). E dessa expiração saíram cerca de 100 000 000 000 000 000 000 000 moléculas, o que é um número muito grande! Este conceito vai ser útil daqui a pouco. Não se esqueça destes quatro exemplos, pois vamos utilizar mais tarde conceitos que lhes estão associados. Agora, já deve estar convencido de que a física não é fácil (se em vez da mecânica, tivesse escolhido problemas de electromagnetismo, os conceitos seriam mais difíceis). Devo então convencê-lo que vale a pena fazer o esforço para ter o prazer de compreender o que se passa à sua volta. Sublinho que o prazer de descobrir é uma atitude antagónica à prática, generalizada em Portugal, das explicações particulares e da ‘papinha feita’. A compreensão dos quatro exemplos precedentes, assim como a compreensão do que se passa nos pulmões dos astronautas, necessita do conhecimento das leis que governam a mecânica, isto é, das leis de Newton. Ainda hoje me espanta que apenas três leis que parecem tão simples, sejam a base de toda a mecânica clássica.

Primeira Lei de Newton ou Lei da Inércia, a lei é anterior a Newton e talvez mesmo a Galileu, geralmente mencionado como o seu descobridor.
Os portugueses devem ser os europeus que maior tributo pagam, sem o saber, à lei da inércia: cada vez que um automobilista esbarra contra um obstáculo, o seu corpo, segundo esta lei, deveria continuar com a mesma velocidade em relação à estrada. A velocidade do condutor e passageiros só pode ser modificada pelas forças exercidas sobre eles, por exemplo, uma árvore. Se tiverem o sinto de segurança posto, é este que exerce uma grande parte da força (eventualmente também o airbag), senão, poderá ser o pára-brisas. Claro que se o carro estiver parado e nenhuma força for exercida, tudo ficará no mesmo lugar. Aliás, a expressão inércia tomou, na linguagem corrente, um sentido derivado de física. Mas já o próprio Galileu dizia que ‘o livro da natureza está escrito na linguagem da matemático’ e ela vai aparecer na segunda lei, que define o que é uma força.


Para aquilo que nos vai interessar, a inércia de um corpo não é mais do que a sua massa (quantidade de matéria) e exprime-se em quilogramas. Há já aqui uma noção muito importante que deve ser claramente compreendida. Se lhe perguntarem qual é a sua massa dirá, por exemplo, 70 kg (bem sei que em geral se pergunta o peso). E se lhe perguntarem como a mediu dirá que foi, por exemplo, na balança do seu quarto de banho. Ainda estamos na primeira lei e já há fontes de confusão, bem mais correntes do que se pensa. É que uma balança, aqui na Terra, não mede massas, mas sim pesos! Imagine um astronauta na Estação Espacial Internacional (ISS), calçado com sapatos com solas com velcro (conjunto de dois tecidos cujas superfícies aderem, utilizado para o fecho de vestuário, acessórios, etc.), e a mesma balança de casa de banho. Se ele se puser em cima, a balança indicará 0 kg, mas a sua massa claro que não é zero! Imagine que o astronauta faz flexões com os joelhos. O que indicará a balança?
Pode parecer curioso, mas indicará, de maneira intermitente, valores negativos... Já percebeu que isto deve ter qualquer coisa a ver com o passarinho na gaiola. Claro que, se os sapatos e a balança não tivessem velcro, o astronauta e a balança flutuariam ao lado um do outro e a balança indicaria, obviamente, zero!» In Manuel Paiva, Como Respiram os Astronautas e os outros Problemas de Física Biomédica, Gradiva Publicações, Lisboa, 2004, ISBN 972-662-997-7.

Cortesia de Gradiva/JDACT