quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Conferências nos Encontros de História Luso-Chinesa. Portugal e a China. João Paulo Costa. «Hideyoshi não aplicou rigorosamente o seu édito, pelo que o corpo de missionários continuou a crescer nos anos subsequentes, e a cristandade foi pouco atacada. O funcionamento quotidiano da Igreja foi afectado, e os missionários passaram a estar pressionados pelo poder político»


Macau, século XIX
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«Hideyoshi forjara o seu poder por ter sido capaz de sobreviver e triunfar num período de anarquia; aprendera que a lealdade dos vassalos podia ser fugaz, pelo que encetou uma política de afirmação do poder central, subordinação dos senhores feudais e pela eliminação de indivíduos ou de forças que poderiam pôr em perigo a sua autoridade.
Os cristãos demonstravam uma certa coesão interna que se sobrepunha muitas vezes à hierarquia político-militar em que estavam inseridos; eram, além disso, solidários para com os estrangeiros, fossem os padres, que chegaram a governar Nagaságui, fossem os mercadores, que vinham anualmente até aí a bordo de um navio poderoso e inexpugnável. Habituado a desconfiar de tudo e de todos, determinado a imprimir uma dinâmica centralizadora na vida do Império, Hideyoshi hostilizou o cristianismo logo em 1587 e colocou sob pressão os seus generais cristãos, ao mesmo tempo que procurava garantir que os mercadores de Macau continuavam a demandar Nagasáquí, agora que a cidade estava sob o seu domínio directo.
Os missionários foram surpreendidos pelo édito anticristão de 25 de Julho de 1587; a decisão inesperada do governante japonês foi seguida de um período de perseguição à Igreja; inúmeros edifícios religiosos foram desmantelados, e os Jesuítas acolheram-se sob a protecção dos dáimios cristãos, mas mesmo nos seus territórios eram obrigados a mover-se discretamente, e a circulação pelo Império só se fazia sob disfarce. Hideyoshi não aplicou rigorosamente o seu édito, pelo que o corpo de missionários continuou a crescer nos anos subsequentes, e a cristandade, globalmente, foi pouco atacada. Ainda assim, o funcionamento quotidiano da Igreja foi afectado, e os missionários passaram a estar fortemente pressionados pelo poder político.
Oficialmente indesejados, os religiosos tiveram de reorganizar todo o seu sistema de ensino e de formação de eclesiásticos.
Inicialmente, os colégios e seminários foram transferidos para os feudos dos dáimios cristãos, mas no início da última década quinhentista tornou-se claro que o crescimento da cristandade nipónica exigia um aumento do clero e que só a criação de um colégio de nível superior na região permitiria que uma parte considerável desses clérigos tivessem uma preparação universitária, incluindo o curso de Teologia. Esta era uma matéria muito sensível, pois as constituições da Companhia exigiam o grau de teólogo para o exercício dos cargos principais, nomeadamente a chefia de províncias ou vice-províncias e o reitorado de colégios. Sucedia, porém, que as necessidades prementes de pessoal levavam os superiores de Lisboa e de Goa a enviarem para o Extremo Oriente muitos religiosos que só tinham feito a formação que os habilitava ao presbitério; havia também o caso dos que haviam sido admitidos na Companhia no Extremo Oriente e que, embora pudessem ser preparados aí para a obtenção da ordem sacerdotal, não podiam ir mais além se não se deslocassem a Goa.


No entanto, a distância que separava a Índia das missões da China e do Japão inviabilizava esta hipótese, pois afastaria um religioso da região durante muitos anos. Além disso, a crescente importância da missão do Sol Nascente dera-lhe, desde cedo, uma clara autonomia no seio da província jesuítica da Índia, o que dificultava, contudo, o relacionamento entre a missão nipónica e os órgãos centrais instalados em Goa. Urgia, pois, criar um Colégio que possibilitasse uma formação mais completa aos missionários que trabalhavam no Extremo Oriente e que, na sua maioria, estavam no Japão; no entanto, o país do Sol Nascente deixara de reunir condições para que se fundasse aí a nova instituição.
Nesta altura colocava-se ainda a questão da necessidade de promover ao sacerdócio alguns dos muitos japoneses que haviam sido admitidos na Companhia como irmãos. Este era outro problema sensível que dividia os religiosos; a maioria opunha-se ao aprofundamento do processo, pelo que os defensores da formação do clero nativo tinham de procurar formas de compromisso em relação aos críticos. A possibilidade de os irmãos japoneses realizarem a sua formação superior fora do Japão surgiu como uma hipótese capaz de calar algumas vozes da oposição, nomeadamente as que afirmavam que os religiosos nipónicos não estavam suficientemente ligados à cultura do Ocidente para poderem exercer o sacerdócio». In Portugal e a China, Conferências nos Encontros de História Luso-Chinesa, João Paulo O. Costa, Fundação Oriente, Convento da Arrábida, 2000, ISBN 972-785-033-2.

Cortesia de F. Oriente/JDACT