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«Já dentro do pátio, Inês e a ama desceram da liteira e, enquanto era
descarregada a exígua bagagem, um criado conduziu-as, através de um dédalo de
corredores álgidos e sombrios, à presença do senhor do castelo. Inês não conseguiu evitar uma expressão de assombro ao ver a magnificência
do salão. As paredes estavam adornadas de tapeçarias e cortinados e havia uma
dupla galeria interior, a que se chegava através de quatro escadas de caracol,
para permitirem à assistência contemplar as recepções, bailes, ou trovas, tudo
com a devida discrição e reserva. O ambiente era aquecido por umas quantas
braseiras de cobre colocadas em pontos estratégicos e algumas peças de cerâmica,
de fabrico inequivocamente muçulmano, eram, só por si, provas das incursões do
dono do castelo por terras de infiéis.
Ao fundo da sala, junto de uma mesa comprida e sentados em confortáveis
cadeirões de madeira e couro, distinguiu um cavaleiro de meia-idade,
acompanhado de uns criados e alguns cortesãos. A seu lado, uma dama muito mais
jovem do que ele, de feições suaves e cujo ventre abaulado era um sinal claro
de que estava prestes a dar à luz, fez sinal para que Inês se aproximasse.
Entretanto, o cavaleiro que Inês identificara, acertadamente, como o infante João
Manuel, chamou-a pelo nome.
- Querida Inês! Bem-vinda sejais - saudou, fazendo um sinal a Maria del
Carríon para que se detivesse. - Aproximai-vos, menina. Inês deu uns passos e,
instintivamente, voltou-se para a ama a implorar-lhe, com o olhar, que a
acompanhasse. Vendo que o infante rectificava o gesto, Maria del Carrión
colocou-se junto de Inês e empurrou-a suavemente pela cintura, fazendo-a
avançar. A presença da ama a seu lado pareceu dar-lhe ânimo e, com passo decidido,
foi ao encontro dos anfitriões.
- Sede bem-vin da a esta que já é a vossa casa. Muito me haviam falado
dos vossos méritos e agora posso confirmar que sois delicada de feições e
contida de gestos. Isso, sem dúvida, diz muito sobre os vossos dotes e
comedimento.
A voz grave e imponente do infante João Manuel ressoava pelo salão e
conferia à cena um certo ar teatral. O infante, sem parecer muito preocupado
com o efeito das suas palavras, continuou a falar:
- - Sabereis por vosso pai que haveis chegado a esta casa por minha vontade. Desejo que façais companhia a minha filha Constança, que a sirvais em tudo o que precise e que esteja na vossa mão proporcionar-lhe. Tende em conta que nem por isso deveis considerar-vos uma criada, pois não vos faltarão moças, cristãs ou mouras, para vos servirem. Pelo contrário, quero que vejais em D. Constança uma irmã e em D. Blanca de la Cerda, minha esposa, a mãe que tão cedo perdestes. Pela minha parte, estarei atento à vossa educação e corresponderei na medida dos vossos merecimentos que, pelo vosso porte, presumo serem do mais alto grau.
Vinde, Constança - acrescentou ao fazer adiantar-se uma rapariga de
tranças de cabelo escuro e uns imensos olhos castanhos, que olhava a recém-chegada
fixamente.
Então, é esta a D. Constança Manuel, pensou Inês. Que diferente dos
pequenos com quem tinha brincado até então! Os modos cortesãos e o discreto
comportamento de Constança eram-lhe em absoluto estranhos. Em ‘A Limia’, servos
e senhores misturavam-se no esforço comum que permitia a sobrevivência. Além
disso, tinha sido criada entre rapazes, pois era cinco anos mais velha do que a
única irmã, Juana, que desde a morte da mãe crescera junto da ama-de-leite que
a amamentara.
Constança acercou-se dela e saudou-a com uma reverência cortês. Inês,
atónita, não soube como responder e procurou conselho nos olhos da ama que, com
um gesto, lhe indicou que devia retribuir a saudação. Ao baixar a cabeça, os
olhos de Inês detiveram-se no rico brocado do vestido de Constança. De um
carmesim forte e recamado com fios de prata, os brilhos do metal e da seda
confundiam-se numa mescla que a fascinou. Instintivamente, estabeleceu a
comparação com a lã parda da sua capa de viagem e enrubesceu. Qual não foi a sua
surpresa quando, ao levantar os olhos, viu que o rubor também se tinha
apoderado das faces de quem a recebia». In Inês de Castro, María Pilar Queralt
de Hierro, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.
Cortesia de Editorial Presença/JDACT