sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Inês de Castro. Leituras. Maria Pilar del Hierro. «… uma dama muito mais jovem do que ele, de feições suaves e cujo ventre abaulado era um sinal claro de que estava prestes a dar à luz, fez sinal para que Inês se aproximasse. Entretanto, o cavaleiro que Inês identificara, acertadamente, como o infante João Manuel, chamou-a pelo nome»



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«Já dentro do pátio, Inês e a ama desceram da liteira e, enquanto era descarregada a exígua bagagem, um criado conduziu-as, através de um dédalo de corredores álgidos e sombrios, à presença do senhor do castelo. Inês não conseguiu evitar uma expressão de assombro ao ver a magnificência do salão. As paredes estavam adornadas de tapeçarias e cortinados e havia uma dupla galeria interior, a que se chegava através de quatro escadas de caracol, para permitirem à assistência contemplar as recepções, bailes, ou trovas, tudo com a devida discrição e reserva. O ambiente era aquecido por umas quantas braseiras de cobre colocadas em pontos estratégicos e algumas peças de cerâmica, de fabrico inequivocamente muçulmano, eram, só por si, provas das incursões do dono do castelo por terras de infiéis.
Ao fundo da sala, junto de uma mesa comprida e sentados em confortáveis cadeirões de madeira e couro, distinguiu um cavaleiro de meia-idade, acompanhado de uns criados e alguns cortesãos. A seu lado, uma dama muito mais jovem do que ele, de feições suaves e cujo ventre abaulado era um sinal claro de que estava prestes a dar à luz, fez sinal para que Inês se aproximasse. Entretanto, o cavaleiro que Inês identificara, acertadamente, como o infante João Manuel, chamou-a pelo nome.
- Querida Inês! Bem-vinda sejais - saudou, fazendo um sinal a Maria del Carríon para que se detivesse. - Aproximai-vos, menina. Inês deu uns passos e, instintivamente, voltou-se para a ama a implorar-lhe, com o olhar, que a acompanhasse. Vendo que o infante rectificava o gesto, Maria del Carrión colocou-se junto de Inês e empurrou-a suavemente pela cintura, fazendo-a avançar. A presença da ama a seu lado pareceu dar-lhe ânimo e, com passo decidido, foi ao encontro dos anfitriões.
- Sede bem-vin da a esta que já é a vossa casa. Muito me haviam falado dos vossos méritos e agora posso confirmar que sois delicada de feições e contida de gestos. Isso, sem dúvida, diz muito sobre os vossos dotes e comedimento.
A voz grave e imponente do infante João Manuel ressoava pelo salão e conferia à cena um certo ar teatral. O infante, sem parecer muito preocupado com o efeito das suas palavras, continuou a falar:
  • - Sabereis por vosso pai que haveis chegado a esta casa por minha vontade. Desejo que façais companhia a minha filha Constança, que a sirvais em tudo o que precise e que esteja na vossa mão proporcionar-lhe. Tende em conta que nem por isso deveis considerar-vos uma criada, pois não vos faltarão moças, cristãs ou mouras, para vos servirem. Pelo contrário, quero que vejais em D. Constança uma irmã e em D. Blanca de la Cerda, minha esposa, a mãe que tão cedo perdestes. Pela minha parte, estarei atento à vossa educação e corresponderei na medida dos vossos merecimentos que, pelo vosso porte, presumo serem do mais alto grau.
Vinde, Constança - acrescentou ao fazer adiantar-se uma rapariga de tranças de cabelo escuro e uns imensos olhos castanhos, que olhava a recém-chegada fixamente.
Então, é esta a D. Constança Manuel, pensou Inês. Que diferente dos pequenos com quem tinha brincado até então! Os modos cortesãos e o discreto comportamento de Constança eram-lhe em absoluto estranhos. Em ‘A Limia’, servos e senhores misturavam-se no esforço comum que permitia a sobrevivência. Além disso, tinha sido criada entre rapazes, pois era cinco anos mais velha do que a única irmã, Juana, que desde a morte da mãe crescera junto da ama-de-leite que a amamentara.
Constança acercou-se dela e saudou-a com uma reverência cortês. Inês, atónita, não soube como responder e procurou conselho nos olhos da ama que, com um gesto, lhe indicou que devia retribuir a saudação. Ao baixar a cabeça, os olhos de Inês detiveram-se no rico brocado do vestido de Constança. De um carmesim forte e recamado com fios de prata, os brilhos do metal e da seda confundiam-se numa mescla que a fascinou. Instintivamente, estabeleceu a comparação com a lã parda da sua capa de viagem e enrubesceu. Qual não foi a sua surpresa quando, ao levantar os olhos, viu que o rubor também se tinha apoderado das faces de quem a recebia». In Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT