sábado, 25 de agosto de 2012

Os Pilares da Diferença. Relações Portugal-África séculos XV-XX. Isabel Castro Henriques. «As várias instituições científicas, universidades e centros de investigação, financiaram centenas ou até milhares de ‘missões’, destinadas a fornecer à Europa e à América, as informações que permitiam analisar as estruturas africanas, situação que não impedia a banalização dos preconceitos»


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«O carácter tardio e insuficiente desta obra encontra contudo uma plena confirmação no facto de só ter sido traduzida em francês em 1964. Se é cerro que as condições políticas não pareciam favorecer estas publicações, não podemos contudo esquecer que as antigas colónias não só se tinham revoltado, maus-maus quenianos e guerra de libertação na Argélia, mas exigiam precisamente a construção dos Estados modernos.
Como esquecer a revelação surpreendente para europeus e americanos, que foi o ‘Facing Mount Kenya’, de Jomo Kenyatta que permitia dar a ver os kikuyus de dentro, quer dizer libertos do olhar do colonizador, mesmo bem intencionado? A emergência dos kikuyus abria uma perspectiva nova na História de África, que permitiu a multiplicação das ‘missões’ dos etnólogos, a etnologia na vanguarda da história, e a produção de monografias históricas mais ou menos bem informadas. As várias instituições científicas, universidades e centros de investigação, financiaram centenas ou até milhares de ‘missões’, destinadas a fornecer à Europa e à América, as informações que permitiam analisar as estruturas africanas, situação que não impedia a banalização dos preconceitos, assentando agora no terreno mais sólido da ‘informação’ ou do ‘conhecimento’.
Podem contudo distinguir-se os colonialismos, havendo aqueles que através da sua rede universitária institucional puderam alimentar a necessidade de informação e aqueles que de maneira deliberada renunciaram a tais conhecimentos produzidos por cientistas que procuravam ser neutros, como se, em tal situação, o antropólogo ou o historiador pudessem manter-se exemplarmente neutros! Já foi amplamente demonstrado que, no caso português ou se tinha renunciado à antropologia, ou esta fora sistematicamente utilizada para servir de suporte e de justificação às várias opções eugenistas, Tâmagnini Barbosa, Germano Corrêa, Mendes Corrêa, e a sua universidade.
Se no plano estritamente somático, a primeira grelha classificatória foi proposta no século XV por Gomes Eanes de Zurara, já no espaço mais amplamente marcado pelos ‘objectos de civilização’, deve utilizar-se a grelha comparatista de Acosta que salienta a importância dos aparelhos políticos, assim como da cidade, ou do urbanismo, do exército, e de outras condições indispensáveis não só à civilização, mas à autonomia do homem.


As incertezas do século XVI, algumas reflexões e afirmações do século XVIII que criou e difundiu os temas associados ao ‘bom selvagem’, que, convém sempre lembrá-lo impõe a ideia do ‘mau selvagem’, destinado à violência legítima da escravatura, e as certezas cientificamente provadas do século XIX, permitem-nos dar conta de uma acumulação constante dos elementos estruturantes da cultura colonial.
O século XVIII reforça de maneira muito aguda, excepto em português, o debate em torno da identidade do Outro, procurando uma parte substancial dos pensadores europeus definir o percurso e a função histórica do ‘bom selvagem’, e descobrindo outras personagens singulares, entre as quais avultam sempre, no que se refere à África, os hotentotes que tanto preocupavam Denis Diderot». In Isabel Castro Henriques, Os Pilares da Diferença, Relações Portugal-África séculos XV-XX, Caleidoscópio, Ciências Sociais e Humanas, Estudos de História, 2004, Centro de História da U. de Lisboa, ISBN 972-8801-31-9.

Cortesia de Caleidoscópio/JDACT