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«Perante o desespero, confessa ele na carta a C. Clávio, ‘que, de há
muito, se apoderou de mim, de poder descobrir e conhecer a verdade no tocante
às coisas humanas. E adiante acrescenta:
- ‘Buscando eu, outrora, a verdade através da Física e da Metafísica, sem jamais a poder descortinar, alguém me disse ter ela estabelecido o seu poiso entre as coisas naturais e transnaturais, isto é, na Matemática’.
Quer dizer, Francisco Sanches busca o problema da verdade e da certeza ‘nas
coisas da Natureza, na física, na metafísica e na matemática, com uma cultura
universal própria dos homens do Renascimento’
Não a encontrou, porém, à sua volta. A metafísica com a sua teoria dos
universais, abstracta, essencialista e nominalista; a física aristotélica, sem contacto
com a experiência e sem busca de leis concretas, não lhe puderam dar resposta à
sua pergunta de homem do Renascimento. Por outro lado pressentiu que a matemática
o podia ajudar no caminho; mas também este pressentimento, quanto sabemos, não passou
de aspiração frustrada.
Quando Francisco Sanches diz que procurou descobrir o caminho da
verdade e da certeza através da metafísica, da física e da matemática,
encontrava-se dentro do conceito de filosofia, tal como o entendiam as Escolas
do seu tempo, seguindo aliás Aristóteles, para quem a filosofia correspondia em
geral à ciência e incluía, além da metafísica, a matemática e a física.
E precisamente então, no tumultuar de ideias do Renascimento, dentro do
conceito de filosofia aristotélica tradicional, surgia um conflito entre o conceito
de metafísica e de ciência. A ciência tomava o novo rumo de ciência
experimental, fruto da observação das causas próximas, da natureza; a metafísica
continuava sendo a ciência do ser pelas causas últimas. Por outro lado a nova
ciência, fruto da observação, recolheu sucessos sobre sucessos no campo dos
conhecimentos naturais. A investigação da Natureza tornou-se portanto o campo
mais dinâmico e palpável da filosofia. E Francisco Sanches aceita o desafio da
ciência, ao afirmar perentoriamente que ‘a
sua filosofia tem como objectivo o conhecimento da Natureza’; e assim busca
com tanto maior afinco um método mais certo e fecundo que lhe abra perspectivas
seguras no campo das ciências naturais quanto os métodos da Escola lhe pareciam
mais inoperantes e inseguros para alcançar esse objectivo.
A sua filosofia, portanto, dirige-se ao conhecimento da Natureza. Ele
mesmo nos diz que, desde o princípio da sua vida, se encontrou com este
problema:
- ‘Desde pequenino, dado à contemplação da natureza, inquiri tudo com minúcia’. E noutro lugar do Quod Nihit Scitur, ‘porque não hei-de duvidar se não posso conhecer a natureza das coisas? Desta é que deve ser a verdadeira ciência’.
Há nestas afirmações o equívoco, que é o grande equívoco da sua época,
e que, como dizíamos, está também latente no seu conceito de filosofia. Como
esta abarca a metafísica, as ciências naturais e a matemática, a palavra
natureza encontra-se em Francisco Sanches ora no sentido metafísico ora no
físico. Sanches baseia a investigação no sentido físico, a Escola respondia
geralmente no sentido metafísico. Acontece, por isso, que a polémica levantada por
Francisco Sanches consistirá frequentemente em refutar a metafísica como meio
de conhecimento da Natureza, como propunha a Escola, e encontrar um novo meio
ou método de conhecimento próprio das ciências da observação, como vai propor Francisco
Sanches». In Lúcio Craveiro da Silva, Estudos de Cultura Portuguesa, Universidade
do Minho, Centro de Estudos Humanísticos, Colecção Hepérides, Filosofia 2,
Braga, 2002, ISBN 972-8063-14-8.
Cortesia da U. do Minho/JDACT