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A Tabuada e a Máquina de Calcular
«Num conto magnífico incluído na colecção ‘Nove Amanhãs’, Isaac Asimov (1920-1992)
imagina uma civilização do futuro que se tinha esquecido da tabuada e dos
algoritmos das quatro operações. Apenas as máquinas conseguiam fazer contas. Os
seres humanos tinham de as usar para todos os cálculos, mesmo os mais
elementares.
Ninguém se interrogava sobre o que as calculadoras faziam.
Mas a certa altura aparece um jovem técnico que começa a ficar curioso. Repara
em certas regularidades e constrói uma tabuada. Pouco a pouco, percebe o
mecanismo das operações e começa a fazer contas. Afirma com toda a confiança:
- Três vezes sete, vinte e um... quatro vezes oito, trinta e dois...
Os amigos duvidam e vão verificar os resultados com a
máquina. Dá certo! Dá sempre certo! ‘Soma agora 23 com 48! Dá 71! E não é que
dá mesmo!?...’
A história foi escrita em 1958 e parece premonitória.
De facto, há hoje muitos jovens estudantes que sacam das
máquinas para resolver as operações mais elementares. Habituaram-se a isso
quando estavam na escola e já não o sabem fazer de outra maneira. Ora fazer contas
mentalmente é muito útil no dia-a-dia. Serve para comparar preços no
supermercado, fazer trocos, medir o tempo, deitar contas à vida...
Mas há mais. O exercício do cálculo mental e a memorização,
nomeadamente da tabuada, ajudam a desenvolver regiões do próprio cérebro e
capacitam os jovens para outras actividades. Há uma janela de oportunidade para
essa aprendizagem. Privá-los desse treino em tenra idade é limitá-los no seu
desenvolvimento intelectual futuro.
É o que se está a passar com muitos jovens. E a culpa não é
deles. Com o pretexto da "aprendizagem significativa” atacaram-se os
"vícios da memorização”, mas errou-se o alvo. Leia-se o programa de Matemática
do 1.º ciclo aprovado em 1990. Diz-se aí que a "máquina de calcular não
pode deixar de ter lugar no 1.º Ciclo" (jovens dos 6 aos 10 anos). Fala-se
nos "cálculos obtidos, utilizando algoritmos ou a máquina de calcular"
e depois diz-se que na sala de aula "o professor permitirá que cada
criança utilize, com liberdade, o que lhe for mais conveniente”. Ou seja, diz-se
que o professor não pode impedir uma criança de 6 a 1.0 anos de usar a
calculadora sempre que ela o queira fazer.
Felizmente, a maioria dos professores tem mais bom senso que
os teóricos da pedagogia romântica e percebe bem esta verdade simples: permitir
ao aluno o uso da máquina de calcular sempre que o queira é caminho certo para
o impedir de desenvolver o cálculo mental.
Dito tudo isto, é preciso acrescentar que a calculadora devia
ser mais usada no ensino secundário. Sobretudo, mais bem usada. Nessa altura
começam a aparecer frequentemente contas muito difíceis, impossíveis de resolver
manualmente. É preciso conhecer melhor a máquina de calcular para poder
enfrentar esses novos desafios. Mas há muitos alunos que chegam à universidade
sem saber calcular exponenciais, logaritmos ou tangentes, pois nunca perceberam
as correspondentes funções das suas máquinas. É triste, mas por vezes parece
que andamos a fazer as coisas ao contrário». In Nuno Crato, Passeio Aleatório,
pela Ciência do Dia-a-Dia, Gradiva, Ciência Aberta, 2009, ISBN
978-989-616-216-0.
Cortesia de Gradiva/JDACT