In Negotium
Há obras que tentam construir a imagem do mundo dos insectos e do mundo
dos peixes, mostrando-nos como eles o vêm e utilizam. Igualmente seria interessante
que se estudasse o mundo dos homens de acção, dos que foram talhados para se
deleitar no fenómeno e se banhar de realismo em todos os sectores da vida;
aquele que um dia o escrever não deverá deixar de incluir no volume um capítulo
sobre a visão que têm da Grécia; a avaliar pelo que disse um dos grandes,
extraordinariamente sábio e divinamente inspirado, sobre a República, que
julgou ser a crónica de uma experiência comunista realizada na antiguidade, as
relações pessoais entre os gregos e os homens de acção não parecem demasiado
íntimas; em todo o caso seria proveitoso e pitoresco investigá-las.
Estou em crer que admiradores dos romanos das pontes e calçadas, o
romano do ius é outra história, a sua
atitude perante o grego é sobretudo uma atitude de desprezo: esse povo estranho
era apaixonado da ideia, atropelava-se à eloquência dos sofistas, tinha a
tribuna do ‘ágora’, a assembleia do povo como a pedra de toque dos condutores
políticos; e mais os devem espantar, com aquele espanto que vem da ignorância e
da incompreensão, a fecunda indolência, o nobilíssimo ócio em que os helenos se
souberam manter; para os que apenas sonham com regulamentos, horários e
automatismos semelhantes tal vida de caprichosa liberdade, de contemplação
aristocrática, de largas discussões filosóficas, de obstinada recusa em ser escravo
de tempo e de dinheiro, aparece decerto como um escândalo que o Senhor devia
ter expungido da face da terra com imprecações e grande fogo de enxofre; outro
escândalo ainda o surgirem na época actual homens que mantêm o mesmo ponto de
vista, que sonham com o século em que seja possível, feito rapidamente, em
parte mínima do dia, o trabalho material que houver a realizar, entregarmo-nos
depois todos à divina ocupação de reflectir e discutir, de passar em revista as
doutrinas dos sábios e os interesses da cidade, de inventar, destruir e
recompor o mundo dos sentidos e o mais puro universo das ideias». In Agostinho
da Silva, Considerações e Outros Textos, Editorial Minerva, Alfinete 4, Assírio
e Alvim, 1988.
continua
Cortesia Assírio e Alvim/JDACT