«É deste modo que, aos dezassete
anos de idade, Publia Hortencia de Castro, que não pertencia à falange nobre
dirigida pela Infanta D. Maria, tendo cursado filosofia, humanidades e
teologia, defende teses em Évora, em 1563. A sua erudição era tal, que Filippe
II, que assistiu a uma prova publica em que Publia Hortencia de Castro
sustentou das mais difíceis teses teológicas, lhe concedeu uma pensão vitalícia.
Não nos deverão, todavia, admirar em extremo estes factos, se atendermos a que
Joanna Vaz, filha do licenciado João Vaz e uma das três damas da Infanta D.
Maria, escrevia em árabe, hebraico, grego e latim, ao papa Paulo III.
No século seguinte,
apesar da decadência que já se nota na Literatura Portuguesa, ainda se distinguem,
entre outras, soror Violante do Ceu, auctora das ‘Rimas Várias’ e do ‘Parnaso
dos Divinos e Humanos versos’; soror Mariana, autora dessas admiráveis cartas
dirigidas ao cavaleiro de Chamilly; e a condessa de Ericeira, D. Joanna de
Menezes, muito versada em castelhano, latim, italiano e francês e que escreveu
catorze volumes em que tratou assuntos vários.
Desejando prestar a minha
homenagem a tantas ‘Senhoras Portuguesas’ que, de meados do século findo, até
hoje, se têm notabilizado como poetisas, abro três justas excepções, tratando
da marquesa de Alorna, da viscondessa de Balsemão e de D. Francisca Possolo da
Costa, que viveram num período anterior à data marcada para início deste
trabalho, ou que simplesmente têm versejado com felicidade, e que tão
nobremente têm sabido continuar as gloriosas tradições literárias de suas
antecessoras, resolvi consagrar às ‘poetisas portuguesas’ o primeiro volume
desta Antologia, na qual,
portugueses, brasileiros e estrangeiros encontrarão inúmeras jóias dispersas do
nosso vasto tesouro poético.
Da inteligência, saber e
mérito de cada uma das ‘Musas’ de que se ocupa este livro, mais do que eu possa
dizer, falam as suas composições poéticas, nas quais, a cada passo, encontramos
sentimento, graça, lirismo e beleza que nos seduz e encanta.
Como poderiam deixar de
ser notáveis as ‘senhoras’ que nasceram na Pátria que se honra de contar no número
de seus filhos insignes:
- Garrett, Herculano, Castilho, João de Deus, Antero do Quental, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Fialho d'Almeida, Júlio Dinis, Gonçalves Crespo, Thomaz Ribeiro, Bulhão Pato, conde de Monsaraz, Fernando Caldeira, João da Câmara, Sousa Monteiro, João de Lemos, Faustino Xavier de Novaes, Xavier Cordeiro, Soares de Passos, Gomes de Amorim, […] Mendes Leal, Pinheiro Chagas, Latino Coelho, Oliveira Martins, Silva Pinto, Sousa Viterbo, Consiglieri Pedroso, Inocêncio F. da Silva, Aníbal Fernandes Thomaz, Rodrigues Sampaio, Teixeira de Vasconcelos, António Enes, Mariano de Carvalho, […] Teófilo Braga, Xavier da Cunha, Fernandes Costa, Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Adolfo Coelho, Júlio Dantas, Eugénio de Castro, António Corrêa de Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Alberto Bramão, Augusto Gil, Júlio Brandão, Alfredo da Cunha, Marcelino Mesquita, Lopes de Mendonça, Alberto Pimentel, Carlos Malheiro Dias, João de Barros, etc, etc.
Muitas das poetisas de
que trato, por demasiadamente conhecidos seus nomes e apreciadas suas obras literárias,
não careciam de apresentação, se desse modo não desejasse reunir muitos
elementos dispersos, duma matéria que entre nós tem sido pouco versada, e
tornar mais útil e mais interessante esta obra que, pelas notas biográficas e
bibliográficas que insiro, fornece os elementos necessários para se poder
proceder a um balanço do movimento intelectual feminino em Portugal, a partir
de meados do século XIX, até nossos dias, desígnio que, embora não
completamente, penso ter realizado.
Se não fosse um tanto ou
quanto rebelde a classificações e se uma vez estas estabelecidas, não
trouxessem melindres (razão porque resolvi, para os evitar, seguir a ordem
alfabética), dividiria as poetisas a que me refiro, em: ‘poetisas falecidas e poetisas
vivas’.
Estas últimas,
subdividi-las-ia em dois grupos. Como esta “Antologia”,
pela sua própria natureza, não é um livro de critica literária, embora algumas das
poetisas citadas tenham, é certo, mais merecimento que outras, abstenho-me de
tais classificações que deixo ao critério. Concluindo estas explicações,
resta-me apresentar a todas as ‘senhoras’ e Pessoas a quem tive a honra de
entrevistar e a todas as damas e cavalheiros que tiveram a amabilidade de me
prestarem esclarecimentos, a expressão mais sincera do meu grande e profundo
reconhecimento pela forma cativante com que umas e outros se dignaram anuir aos
meus pedidos.
Às senhoras D. Mecia
Mouzinho de Albuquerque, D. Zulmira Franco d’Almeida Teixeira, D. Maria Jacinta
Bastos, D. Ester Amália da Cunha Belém, D. Maria Figueiredo Feio Rebelo Castelo
Branco, D. Lia de Magalhães Colaço, D. Branca da Silveira Silva, D. Alda
Guerreiro Machado, D. Emília Adelaide Moniz Maia, D. Maria O’Neill, D.
Rosalinda Celeste Figueiredo Santos, e D. Rosa Varela que quiseram enriquecer
esta “Antologia”, cedendo-me valiosos inéditos, aqui deixo expresso o
preito da minha maior gratidão (Lisboa, em Junho de 1917)». In Nuno Catarino
Cardoso, Poetisas Portuguesas, Prefácio, Antologia contendo dados de 106
poetisas, Livraria Scientífica, Lisboa, 1917, Library University of Toronto,
1969.
Cortesia de Livraria
Scientífica/Paulo Cardoso/JDACT