«Como o sintetizara mordazmente Eça, as fainas dos intelectuais entre
nós resumiram-se neste dilema: ou agricultura, ou Revolução. E se esta última,
uma vez feita, falhar, então só nos restará a demissão, ou seja, deixarmos de
fingir que somos um País independente. E sejamos então espanhóis.
Terminemos esta resenha dos admiradores de Herculano com algumas
passagens dum texto que lhe dedicou Anselmo de Andrade (1842-1928), o último
ministro da Fazenda da monarquia, o condiscípulo e amigo de Antero.
Pronunciando o elogio de Herculano, no Porto, em 1888, o ano da trasladação dos
restos mortais do historiador para os Jerónimos, Anselmo de Andrade dizia:
- ‘É da família hebreia dos videntes. Parece um profeta do tempo de Isaías perdido no nosso século. O mundo é para ele uma tragédia bíblica. Era sempre o cristão duplicado pelo estóico. O último período da vida de Herculano é o da sua abdicação. Os reis também abdicam. O seu isolamento foi a conclusão naturalmente deduzida das premissas, postas pela sua filosofia no meio político em que vivia. A solidão foi um acto de coerência. Refugiou-se no seu voluntário exílio, por não poder encarnar nas instituições do seu país o seu pensamento, e por não poder, dentro da sua religião do dever, transigir com o que se lhe afigurava injusto e devasso. Tinha necessariamente de se isolar quem em pleno Baixo Império possuía a alma de um Graco e a intransigência de um jacobino’.
Esclarece todavia, ia-se a Vale de Lobos, como antigamente a Delfos, ouvir
as palavras do oráculo. A mocidade adorava-o. E a posteridade soube dar-lhe as
honras que merecia pondo-o, sozinho, nos Jerónimos, onde dormem também Gama e
Camões. Nemésis não é uma simples fábula. A posteridade é a encarnação real e
verdadeira dessa deusa justiceira e vingadora dos grandes, dos justos, dos
dignos e dos fortes.
A posteridade desagravou pois Herculano de muita inveja e calúnia
sofridas em vida:
- Durante a sua vida, nem sempre a inveja se calou diante dos louros que exornaram aquela fronte, mas depois da sua morte poucos deixaram de tributar ao grande cadáver as homenagens costumadas da saudade e os preitos sinceros da admiração.
Teófilo contesta Herculano
Continuemos o nosso inquérito acerca dos juízos proferidos pelas figuras
cimeiras da geração de 70 quanto à obra e à especial postura cívica de
Herculano, sobretudo desde que este, dizendo-se insuportavelmente agravado pela
baixeza e incompreensão dos seus contemporâneos, se retirou para a sua
estudiosa ‘Tebaida agrícola’, perto de Santarém, para deixar aos ratos e às
aranhas a sua História de Portugal, como
graficamente o satirizou Bordalo Pinheiro na capa d’A Lanterna Mágica (nº 7, de 26-6-1875) e depois n’O Mosquito, jornal que o nosso artista
dirigia nesse Rio de Janeiro onde então, por algum tempo, se expatriara (nº
375, de 22 de Junho de 1876). E já que aqui se aludiu à nação além-Atlântico, incluamos
nesta nossa muito breve ‘sinopse herculanológica’ a crítica que o brasileiro
Machado de Assis escreveu em A Semana,
no mesmo ano em que o nosso historiador havia de desaparecer, ou seja, em 1877:
- ‘Quem era certo cavaleiro italiano que gastou a vida dele a duelar-se em defesa da Divina Comédia, sem nunca a ter lido? Eu sou esse cavaleiro apenas por um lado, que é o lado dos que dizem que, a não fazer Herculano livros de história, deve fazer outra coisa.
In João Medina, Herculano e a Geração de 70, Edições Terra Livre, Lisboa,
ano IV da Liberdade, 1977.
Cortesia de Terra Livre/JDACT