«[...] O problema de autoria das Obras
é consequência do anonimato dos manuscritos. O Manuscrito da Biblioteca de
Lisboa vem apenso a uma peça em espanhol, intitulada ‘El Prodigio de Amarante:
São Gonçalo’, os dois textos, neste manuscrito que segundo Porto Alegre não é
autógrafo e sim uma cópia, vêm atribuídos ao ‘Judeu’. Gustavo Freitas e Castro
Cabral acreditam na origem espanhola do copista. O Manuscrito da Academia das
Ciências foi atribuído, em sua catalogação, a Pedro José Fonseca, linguista e
dicionarista do século XVIII, que fornecera manuscritos de sua colecção
particular à referida Academia. Innocencio, que, em seu Diccionárío bibliographico portuguez, regista esses manuscritos,
atribui a Pedro José Fonseca a autoria das Obras;
depois da publicação da novela pela ‘Revista Brasileira’, passa a atribuir a
autoria a António José Silva, acreditando que Pedro José seria apenas um
copista.
Fidelino Figueiredo não acredita que as Obras sejam da autoria de António José Silva e fundamenta seu ponto
de vista na ortodoxia católica manifestada nos folhetos. Segundo Fidelino,
seria inexplicável que um indivíduo perseguido e morto pela Inquisição
(maldita), acusado de judaísmo, conhecesse tão bem a religião católica.
No entanto, a ortodoxia católica das Obras não é motivo suficiente para que se exclua a hipótese de ser
o ‘Judeu’ o autor da novela. Obviamente, não é necessário praticar um credo
para conhecer-lhe as leis. Mostra-se ser a novela possuidora de um discurso
que, correndo paralelo ao dogma, o questiona; discurso que se poderia atribuir
a qualquer judeu culto da época. Seguindo o mestre, tanto Gustavo Freitas como
Miguel Castro Cabral contestam a possível autoria de António José Silva.
Todavia não creem que as Obras
possam ser de Pedro José Fonseca. Baseiam-se os dois estudiosos no vestuário descrito
na novela, certamente anterior ao século XVIII.
José Pereira Tavares demonstra as razões que o levaram a atribuir as Obras ao autor de Guerras do Alecrim e Mangerona:
- em primeiro lugar coloca a falta de provas em contrário e, em seguida, documenta a existência, na novela, de ‘fortes ressaibos da linguagem do Judeu quando não assaltado pelo propósito, muito frequente em suas comédias, de ridicularizar o gongorismo’.
As semelhanças aludidas, apontadas na edição dos ’Clássicos Sá da Costa’,
prendem-se a certas expressões e neologismos empregados comicamente.
António José Saraiva e Óscar Lopes acreditam numa origem
clerical, possivelmente franciscana, para as Obras e excluem a hipótese de autoria do ‘Judeu’, quando ressaltam
ter sido a novela ‘por mais de uma vez, mas indevidamente, atribuída a António
José da Silva’. Saraiva e Lopes não apresentam razões plausíveis, nem para a tese
da origem clerical, nem para a negativa da autoria do ‘Judeu’.
Bernard Emery, em sua edição, não elucida o problema, mesmo porque, no
estágio actual dos estudos, é impossível obter uma certeza absoluta sobre o
autor. No entanto, o estudioso, ao dar como subtítulo à sua edição, ‘conto
moral atribuído a António José da Silva’, indirectamente endossa a corrente
tradicional que considera o dramaturgo o autor de tão discutido texto.
Em ensaio publicado na revista, Colóquio
/ Letras, Emery explicita não ter sido fortuita a reunião, no mesmo
manuscrito, de El Prodigio de Amarante
e das Obras. Foi o arcebispo de Évora,
Manuel do Cenáculo Vilas Boas, eminente bibliófilo e conceituado erudito, que
fez a junção das duas obras». In Maria Thereza Abelha Alves, A Dialéctica da Camuflagem
nas Obras do Diabinho da Mão Furada, Lisboa, INCM, 1983, Fundação Calouste Gulbenkian,
2005.
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