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«A expectativa abstracta
natural foi incorporada, literalmente, num determinado corpo, com uma
existência legal definida em e por si mesma. As necessidades e expectativas
humanas naturais estão assim protegidas e são garantidas pela e na Lei - na
ordem da palavra escrita que substitui o absolutismo por um governo, no qual os
governantes estão sujeitos ao consentimento dos governados. Independentemente
se é possível de ser realizada ou não, a Lei estende-se para as formas de como
somos formados como sujeitos, não unicamente ao nível da identidade, mas também
ao nível da projecção de desejos, motivações e aspirações. O trabalho do
fotógrafo norte-americano,
Leigh Ledare, explora esta ambivalência.
Durante sete dias consecutivos, em Julho de 2011, Leight Ledare realizou uma série de fotografias eróticas da Srª Y na moradia onde reside com o seu marido e filhos. Já na casa dos quarenta, a Srª Y é uma respeitada escritora e mulher de uma proeminente e reconhecida figura pública. O contracto legal, entretanto assinado entre as duas partes, a Srª Y, como sujeito e objecto da comissão, e Ledare, como mediador entre o sujeito e o objecto fotografado, permite ao artista incorporar as fotografias encomendadas numa Edição Pública de trabalhos baseados nas imagens, desde que sancionadas pelo casal e a identidade tanto da Srª Y (incluso características físicas identificadoras), como do seu marido e respectivos familiares permaneça oculta. Por seu lado, Ledare, aceitou destruir os negativos e os ficheiros digitais relacionados com as fotografias assim que tenha criado a Edição Privada (que permanecerá no âmbito privado do casal) e a Edição Pública (para apresentar no âmbito do domínio público). Durante os sete dias, ao trabalhar sobre as indicações da Srª Y, Ledare apresentou-se nesta relação performática privada como um objecto a captar fotograficamente um objecto. Aqui! O artista não diz nada. Simplesmente presta os seus serviços para a criação de um arquivo da Srª Y, enquanto Ser - a vida a ser vivida ou a lei a ser aplicada! Nas palavras de Judith Butler, a desconstrução da identidade não é a desconstrução da política; pelo contrário, esta estabelece como política os próprios termos através dos quais a identidade é pronunciada (Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity, 1990). É esta uma questão sobre tempo e história? Um problema de memória! Na sociedade contemporânea neoliberal o acto de registar fotograficamente o corpo despido de uma figura pública, o seu espaço privado enquanto este permanece sobre o domínio do âmbito privado, excluído do âmbito público é um acto desigual e destrutivo. Devido essencialmente ao carácter do próprio acto inicial. Um olhar para o passado, ideológico e que desmantela qualquer possibilidade de ligação a um bem comum. A política ideológica neoliberal está fundada nos ideais de liberdade e igualdade: dos direitos humanos, livre exercício religioso e sexual, eleições livres e justas, a abolição das barreiras internas ao comércio e a exploração de um mercado livre - compra e venda de mercadorias sem regulamentação ou supervisão de preços, este são determinados de acordo com a oferta e a procura - ou a democracia do espaço virtual - a internet ou os reality-shows televisivos que as pessoas voluntariamente utilizam para expor a sua vida pessoal. Mas, o neoliberalismo é, em verdade, um acto de apagar a memória que não pode reclamar qualquer ortodoxia histórica porque no seu historicismo ele participa activamente na negação de toda a verdade e história.
O contexto? Informa sobre a vulnerabilidade e ambiguidade dos limites que definem o processo documental, bem como sobre a criação de arquivos para um espaço na memória de acordo com o conjunto completo de normas e regras estabelecidos pela Lei. Em An Invitation, Thursday 21st July, 2011, dois artigos, European Back A Sweeping Plan To Rescue Greece e Obama Closes In On Deal For Cuts In Boehner Talks, escritos por Landon Thomas Jr. e Stephen Castle, e Carl Hulse e Jackie Calmes, respectivamente, acompanhados por uma imagem do ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, da directora-geral do F.M.I., Christine Lagarde, e da Chanceler alemã, Angela Merkel, ao que parece ser numa alegre conversa entre os três, ocupam quase a totalidade da primeira página do jornal New York Times do dia 21 de Julho de 2011. No centro, sobreposta ao texto e à fotografia e, com 1/4 do tamanho da página, está uma imagem a preto e branco de uma mulher despida a segurar o que pode ser uma manta ou um vestido às riscas. De pé sobre o sofá coberto por almofadas a Srª Y, posa para a câmara. O cenário é composta ainda por uma tapeçaria e dois quadros a encher uma das paredes, enquanto, ao lado do sofá, encontra-se uma mesa com um candeeiro e algumas fotografias de familiares. Na legenda Ledare escreve a branco sobre um rectângulo negro "attack in Norway/swimming in the afternoon." Enquanto em An Invitation, Saturday 23rd July, 2011 a imagem da Srª Y, deitada de braços aberto e completamente despida, sobre um lençol branco, sobrepõem-se a outro acontecimento de conhecimento mundial, Attacks on Capital and Island Camp Kill Scores in Norway.
Se por um lado o artista documenta sobre importantes acontecimentos num espaço de difusão público, ao utilizar como suporte a primeira página de um jornal de grande circulação, no qual estão descrito assuntos de reconhecimento imediato por parte do leitor, por outro lado, ao inserir uma imagem privada, neste espaço público, ele traz para o âmbito público a ambivalência presente na autoria da sua obra. Por exemplo, é certo que o corpo de trabalho concebido por Nan Goldin, Larry Clark como, também, por Nobuyoshi Araki, expressam questões sobre o corpo, sexo e pornografia no seus discursos, no entanto, as imagens, de An Invitation, estão localizadas para além do aspecto transgressivo, como é apresentado por estes fotógrafos. Elas estendem-se para outra posição devido essencialmente à narrativa da prática discursiva de Ledare e ao facto deste corpo de trabalho resultar de um convite que lhe foi dirigido. Estende-se para além da 'transgressão', no sentido da mediação da linguagem e das convenções na arte contemporânea. "I reminded Mrs Y once more that I would approach the photographs as through I were a newspaper photographer, conveying information that pertained to the assignment she'd given me. It would be her job to direct me. Not what she anticipated in soliciting an erotic photographer. Important./End of the day. I'm doing my job. I'm doing my work", escreve Ledare numa das obras. No trabalho com a sua mãe, Tina Peterson, em Pretend You're Actually Alive (2008), por exemplo, a ambivalência entre o que deve permanecer no espaço privado e o que é do domínio público é colocada a um nível de igualdade e apresentada de forma livre e sincera no espaço público. Sem barreiras. A extensão existe, em particular, não nas imagem onde a mãe está a posar nua para a câmara ou a fazer sexo com um dos seus namorados, que actualmente são parte do instituído, mas sim no espaço ocupado pelos fragmentos do quotidiano da Tina vestida, momentos de maior intimidade e vulnerabilidade, quando articulado e limitado pelas imagens socialmente 'proibidas'. A exposição An Invitation, na Pilar Corrias, apresentou a série composta por sete trabalhos (foto-litografia, serigrafia e texto) dispostos sobre as paredes da galeria, e uma mesa expositora no centro da sala, mesmo após a entrada, com cópia do contracto assinado entre as duas partes». In Rui Gonçalves Cepeda, Leigh Ledare, ‘An Invitation’, Pilar Corrias Gallery, Londres, Antena 2, Teresa Pizarro.
Durante sete dias consecutivos, em Julho de 2011, Leight Ledare realizou uma série de fotografias eróticas da Srª Y na moradia onde reside com o seu marido e filhos. Já na casa dos quarenta, a Srª Y é uma respeitada escritora e mulher de uma proeminente e reconhecida figura pública. O contracto legal, entretanto assinado entre as duas partes, a Srª Y, como sujeito e objecto da comissão, e Ledare, como mediador entre o sujeito e o objecto fotografado, permite ao artista incorporar as fotografias encomendadas numa Edição Pública de trabalhos baseados nas imagens, desde que sancionadas pelo casal e a identidade tanto da Srª Y (incluso características físicas identificadoras), como do seu marido e respectivos familiares permaneça oculta. Por seu lado, Ledare, aceitou destruir os negativos e os ficheiros digitais relacionados com as fotografias assim que tenha criado a Edição Privada (que permanecerá no âmbito privado do casal) e a Edição Pública (para apresentar no âmbito do domínio público). Durante os sete dias, ao trabalhar sobre as indicações da Srª Y, Ledare apresentou-se nesta relação performática privada como um objecto a captar fotograficamente um objecto. Aqui! O artista não diz nada. Simplesmente presta os seus serviços para a criação de um arquivo da Srª Y, enquanto Ser - a vida a ser vivida ou a lei a ser aplicada! Nas palavras de Judith Butler, a desconstrução da identidade não é a desconstrução da política; pelo contrário, esta estabelece como política os próprios termos através dos quais a identidade é pronunciada (Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity, 1990). É esta uma questão sobre tempo e história? Um problema de memória! Na sociedade contemporânea neoliberal o acto de registar fotograficamente o corpo despido de uma figura pública, o seu espaço privado enquanto este permanece sobre o domínio do âmbito privado, excluído do âmbito público é um acto desigual e destrutivo. Devido essencialmente ao carácter do próprio acto inicial. Um olhar para o passado, ideológico e que desmantela qualquer possibilidade de ligação a um bem comum. A política ideológica neoliberal está fundada nos ideais de liberdade e igualdade: dos direitos humanos, livre exercício religioso e sexual, eleições livres e justas, a abolição das barreiras internas ao comércio e a exploração de um mercado livre - compra e venda de mercadorias sem regulamentação ou supervisão de preços, este são determinados de acordo com a oferta e a procura - ou a democracia do espaço virtual - a internet ou os reality-shows televisivos que as pessoas voluntariamente utilizam para expor a sua vida pessoal. Mas, o neoliberalismo é, em verdade, um acto de apagar a memória que não pode reclamar qualquer ortodoxia histórica porque no seu historicismo ele participa activamente na negação de toda a verdade e história.
Leigh Ledare
O contexto? Informa sobre a vulnerabilidade e ambiguidade dos limites que definem o processo documental, bem como sobre a criação de arquivos para um espaço na memória de acordo com o conjunto completo de normas e regras estabelecidos pela Lei. Em An Invitation, Thursday 21st July, 2011, dois artigos, European Back A Sweeping Plan To Rescue Greece e Obama Closes In On Deal For Cuts In Boehner Talks, escritos por Landon Thomas Jr. e Stephen Castle, e Carl Hulse e Jackie Calmes, respectivamente, acompanhados por uma imagem do ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, da directora-geral do F.M.I., Christine Lagarde, e da Chanceler alemã, Angela Merkel, ao que parece ser numa alegre conversa entre os três, ocupam quase a totalidade da primeira página do jornal New York Times do dia 21 de Julho de 2011. No centro, sobreposta ao texto e à fotografia e, com 1/4 do tamanho da página, está uma imagem a preto e branco de uma mulher despida a segurar o que pode ser uma manta ou um vestido às riscas. De pé sobre o sofá coberto por almofadas a Srª Y, posa para a câmara. O cenário é composta ainda por uma tapeçaria e dois quadros a encher uma das paredes, enquanto, ao lado do sofá, encontra-se uma mesa com um candeeiro e algumas fotografias de familiares. Na legenda Ledare escreve a branco sobre um rectângulo negro "attack in Norway/swimming in the afternoon." Enquanto em An Invitation, Saturday 23rd July, 2011 a imagem da Srª Y, deitada de braços aberto e completamente despida, sobre um lençol branco, sobrepõem-se a outro acontecimento de conhecimento mundial, Attacks on Capital and Island Camp Kill Scores in Norway.
Se por um lado o artista documenta sobre importantes acontecimentos num espaço de difusão público, ao utilizar como suporte a primeira página de um jornal de grande circulação, no qual estão descrito assuntos de reconhecimento imediato por parte do leitor, por outro lado, ao inserir uma imagem privada, neste espaço público, ele traz para o âmbito público a ambivalência presente na autoria da sua obra. Por exemplo, é certo que o corpo de trabalho concebido por Nan Goldin, Larry Clark como, também, por Nobuyoshi Araki, expressam questões sobre o corpo, sexo e pornografia no seus discursos, no entanto, as imagens, de An Invitation, estão localizadas para além do aspecto transgressivo, como é apresentado por estes fotógrafos. Elas estendem-se para outra posição devido essencialmente à narrativa da prática discursiva de Ledare e ao facto deste corpo de trabalho resultar de um convite que lhe foi dirigido. Estende-se para além da 'transgressão', no sentido da mediação da linguagem e das convenções na arte contemporânea. "I reminded Mrs Y once more that I would approach the photographs as through I were a newspaper photographer, conveying information that pertained to the assignment she'd given me. It would be her job to direct me. Not what she anticipated in soliciting an erotic photographer. Important./End of the day. I'm doing my job. I'm doing my work", escreve Ledare numa das obras. No trabalho com a sua mãe, Tina Peterson, em Pretend You're Actually Alive (2008), por exemplo, a ambivalência entre o que deve permanecer no espaço privado e o que é do domínio público é colocada a um nível de igualdade e apresentada de forma livre e sincera no espaço público. Sem barreiras. A extensão existe, em particular, não nas imagem onde a mãe está a posar nua para a câmara ou a fazer sexo com um dos seus namorados, que actualmente são parte do instituído, mas sim no espaço ocupado pelos fragmentos do quotidiano da Tina vestida, momentos de maior intimidade e vulnerabilidade, quando articulado e limitado pelas imagens socialmente 'proibidas'. A exposição An Invitation, na Pilar Corrias, apresentou a série composta por sete trabalhos (foto-litografia, serigrafia e texto) dispostos sobre as paredes da galeria, e uma mesa expositora no centro da sala, mesmo após a entrada, com cópia do contracto assinado entre as duas partes». In Rui Gonçalves Cepeda, Leigh Ledare, ‘An Invitation’, Pilar Corrias Gallery, Londres, Antena 2, Teresa Pizarro.
A amizade do Rui.
Cortesia
de Molduras/JDACT