Generalidades e
Antecedentes
«Os dois poemas
‘românticos’ de Garrett não obtiveram, ao seu aparecimento, grande aceitação do
público, tendo a primeira edição de Dona Branca levado cerca de vinte
anos a esgotar-se, o que denota a lentidão com que a literatura romântica em Portugal
ia formando o seu público. Mas não era então o que importava mais; interessava principalmente
que as jovens vocações literárias se tomassem da novidade. Essas, efectivamente,
foram conquistadas e não exagerou Garrett quando, ao traçar a sua autobiografia
publicada no Universo pitoresco, afirmou:
- ‘Da sua publicação (Camões e Dona Branca) data e procede quanto até hoje se está fazendo para ilustrar a nossa história, os nossos usos, as cousas da nossa terra'.
A formação,
desenvolvimento e mutação do público ledor nas várias épocas da literatura
estão a reclamar um estudo. É tarefa que mais incumbirá aos estudos de história
social do que aos de natureza propriamente literária, embora sob este aspecto
hajam de trazer esclarecimentos que interessam a alguns problemas de história
literária.
No estudo do que podemos
chamar ‘o fenómeno romântico’ e particularmente no da evolução e vasta expansão
do romance no século XIX, impõe-se o estudo do público que recebia com interesse
crescente essas produções da arte literária e muito particularmente o da
variação dos seus níveis de qualidade consoante os vários sectores sociais
desse público.
A massa de leitores que
havia de constituir o público do romance histórico em Portugal, é ao romance
histórico que nos havemos de cingir, particularmente desde 1840 a 1860, vinha
preparada desde muitos anos antes pela leitura das traduções, geralmente
infiéis, da novelística estrangeira, abundantemente editadas. José Agostinho Macedo
em O Desaprovador, 1818, denunciava essas novelas como corruptoras e
escrevia:
- ‘… as mulheres, os mancebos, e a maior parte das pessoas que têm alguma tintura de educação, leem avidamente Novelas Francesas; este é um dos mais vastos e mais poderosos canais por onde se tem derivado a torrente da corrupção em Portugal… As novelas produzem todos os males, e nenhum bem, e deste naufrágio universal se salvam unicamente duas, Argenis de Barclay e o Telémaco de Fenelon. As mais estragam o espírito, corrompem o coração, pervertem a vontade, envenenam os costumes, e têm todo o poder de dar cabo da língua Portuguesa’.
E não eram só as novelas
francesas que caíam sob a férula de Macedo, eram também as inglesas, o Tom
Jones, os romances de Richardson que ele, aliás, admirava, e até ‘um
maldito Werther, apóstolo do suicídio, não faltando Quixotes que se queiram
matar por amor de uma mulher de quem se aborreceriam logo se com ela casassem,
e ela se começasse a queixar de flatos histéricos, vapores, frieiras e
indigestões…’
Além deste público que a
novela histórica vinha encontrar em Portugal predisposto à sua leitura, concorriam
a aumentá-lo e a desenvolvê-lo os emigrados que regressavam à pátria, já
iniciados em França e na Inglaterra na nova literatura.
Contribuíam também, e
destacadamente, para a divulgação do gosto pelo novo género literário as
traduções das novelas de Walter Scott, bem como os periódicos literários cujo aparecimento
se multiplicava, cabendo, entre eles, a primazia ao Panorama.
Além de todos estes
factos, há a considerar o fenómeno económico-social do incremento da pequena
burguesia portuguesa que se vinha revelando desde as invasões francesas e a que
a vitória liberal animara a aspirações de maior lustro e melhor ilustração. Ora
a literatura que o primeiro romantismo português oferecia à burguesia indígena,
estava acondicionada ao grau da sua cultura e, pelos temas e motivos, lisonjeava-lhe
a dignidade política e social em que se considerava investida.
Já dissemos que Garrett
estabelecera em doutrina e na prática o que havia de constituir a estética
literária do primeiro romantismo português e suas sequelas: estudo do Portugal
medievo, onde, segundo ele e Herculano, existia em potência o autêntico
Portugal com as suas vigorosas forças criadoras, que só o povo guardava ainda
nos seus costumes, crenças e tradições». In Castelo Branco Chaves, O Romance
Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura Português, Centro
Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.
Cortesia do Instituto
Camões/JDACT