(continuação)
In Negotium
«A fadiga que esmaga um corpo depois de oito ou dez horas em frente de um
volante ou de um dia inteiro na faina do campo é um crime contra o Jeová que
nos criou à sua imagem, um sacrilégio contra a partícula de fogo eterno que palpita
por favor dos deuses em cada um de nós. O trabalho não é virtude, nem honra;
antes veria nele necessidade e condenação; é, como se sabe, consequência do
pecado original. A reconquista do ‘Eden’ comportaria para o homem a libertação
do trabalho, lavá-lo-ia dessa mancha de animal doméstico sob o jugo, havia de o
restituir ao que é seu essencial carácter: o ser pensante. Não direi que é esse
o objectivo que a humanidade por sua natureza há-de atingir, o que nos meteria,
sem grandes possibilidades de saída, no estéril labirinto das causas finais;
mas é a tal alvo que a vontade deve apontar os seus tiros; certamente o
problema é enredado e confuso, porque (abandonado o sonho de idades de ouro e
simplicidade frugal) a posse de ócio pressupõe uma perfeição de domínio sobre a
natureza que se não poderá conseguir senão à custa do sacrifício de muitas
gerações, como o ócio de Atenas se alcançou à custa do sacrifício dos escravos;
a solução, porém, não se me afigura impossível se fizermos um esforço por
escaparmos do ambiente de retórica que atira os jornalistas de todas as
espécies contra a máquina e deixarmos de ver nela a inimiga que se tem de
vencer, para a olharmos como a auxiliar imprescindível; se mais ainda,
fecharmos os ouvidos às advertências e ameaças que de todos os lados fazem chover
sobre nós os ditos homens de acção». In Agostinho da Silva, Considerações e
Outros Textos, Editorial Minerva, Alfinete 4, Assírio e Alvim, 1988.
Cortesia Assírio e Alvim/JDACT