Responso (continuação)
E ela vaga nas praias rumorosas,
triste como as rainhas destronadas,
a contemplar as gôndolas airosas,
que passam, a giorno
iluminadas.
Pudesse eu ser o rude gondoleíro
e ali é que fizera o meu cruzeiro.
De dia, entre os veludos e entre as sedas,
murmurando palavras aflitivas,
vagueia nas umbrosas alamedas
e acarinha, de leve, as sensitivas.
Fosse eu aquelas árvores frondosas,
e prendera-lhe as roupas vaporosas.
Ou domina, a rezar, no pavimento
da capela onde outrora se ouvia missa,
a música dulcíssima do vento
e o sussurro do mar, que se espreguiça.
Pudesse eu ser o mar e os meus desejos
eram ir borrifar-lhe os pés com beijos.
E às horas do crepúsculo saudosas,
nos parques com tapetes cultivados,
quando ela passa curvam-se amorosas
as estátuas dos seus antepassados.
Fosse eu também granito e a minha vida
era vê-la a chorar arrependida.
No palácio isolado como um monge
erram as velhas almas dos precitos,
e nas noites de Inverno ouvem-se ao longe
os lamentos dos náufragos aflitos.
Pudesse eu ter também uma procela
e as lentas agonias ao pé dela.
E às lajes, no silêncio dos mosteiros,
ela conta o seu drama negregado,
e o vasto carmesim dos reposteiros
ondula como um mar ensanguentado.
Fossem aquelas mil tapeçarias
nossas mortalhas quentes e sombrias.
E assim passa, chorando, as noites belas,
sonhando uns tristes sonhos doloridos,
e a reflectir nas góticas janelas
as estrelas dos céus desconhecidos.
Pudesse eu ir sonhar também contigo
e ter as mesmas pedras no jazigo.
Mergulha-se em angústias lacrimosas
nos ermos dum castelo abandonado,
e as próximas florestas tenebrosas
repercutem um choro amargurado,
Uníssemos, nós dois, as nossas covas,
ó doce castelã das minhas trovas!
In Cesário Verde, ‘O livro de Cesário Verde, Março, 1874’.
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