«Em 28 de Fevereiro de
1545, por carta-patente passada por João III, em Évora, João de Castro foi
nomeado vice-rei, sucedendo a Martim Afonso Sousa, e a 10 de Setembro
chegou a Goa.
A política de rigor e
justiça que aplicou não agradou às altas patentes do Estado da Índia, nem a
muitos dos naturais daquelas partes, mas facto é que tentou sanear as finanças
e terminar com a corrupção que por lá grassava. Resolveu também a questão da
anexação dos territórios de Bardês e Salcete, indispensáveis para a auto-suficiência
de Goa e da Ilha de Tiswadi, tendo para isso de derrotar as forças do Idalcão.
Mas a sua principal acção militar foi a que teve no descerco de Diu, em 1547.
Mas não teve descanso, pois logo avançou, para dar combate aos inimigos da presença
portuguesa no Índico. João III prorrogou o seu mandato por mais três anos, mas
pouco depois de ter chegado a notícia, adoeceu e faleceu, quando contava apenas
quarenta e oito anos de idade. Foi sepultado na capela-mor do convento de São
Francisco, e os seus restos mortais trasladados para o Reino em 1576, e
depositados em São Domingos de Benfica.
Ainda em vida, João de
Castro tornou-se uma verdadeira lenda, quer nas terras banhadas pelo Índico
quer no Reino e no resto da Europa. Temido por uns e admirado por outros, a sua
aura foi crescendo e, a pouco e pouco, o tempo urdiu uma trama de episódios que
estão para além da realidade e que entram, pelo menos, no limiar da fábula.
Os feitos guerreiros de
João de Castro correram pela Europa do seu tempo, na correspondência
diplomática e nos relatos enviados para a Corte pelos agentes régios na Índia,
em textos impressos, alguns deles imediatamente após os acontecimentos que
relatam, de que se destaca o descerco heróico da cidade de Diu, nos ‘Commentarius
de rebus a Lusitanis in India apud Dium gestis anno salutatis nostrae MDXLVI’,
impresso em Coimbra, na tipografia de João Barreira, em 1548, da autoria de
Diogo de Teive.
NOTA: A tradução é: Relação
das proezas levadas a efeito na Índia, junto de Diu, no ano da nossa salvação
de 1546. A obra foi publicada por Carlos Ascenso André e por Rui Manuel
Loureiro, em 1995, edição Cotovia.
Este humanista teve
certamente acesso à crónica da autoria de Leonardo Nunes que incidia sobre este
feito, então ainda manuscrita e que só viria a ser impressa muito mais tarde, a
primeira das vezes, segundo cremos, em 1925, por iniciativa de António Baião e
sob os auspícios da Academia das Ciências de Lisboa. Teive teve que conhecer
igualmente a missiva que o próprio vice-rei escreveu a João III, em 16 de
Janeiro de 1546, dando-lhe conta do que se tinha passado, hoje guardada na
Torre do Tombo, caso contrário o seu relato não teria sido tão fiel.
O cronista Damião de
Góis confirma na sua obra ‘De Bello Cambaico Ultima Comment, de Lovaina
e de 1548, “… que toda a Europa falou da batalha de Diu e das vitórias dos
portugueses sobre um dos mais poderodos reis do Oriente ...”. No
estrangeiro foram impressos mais relatos sobre a heroicidade de Castro, em Diu,
nomeadamente, o ‘Don Giovanni di Castro’, de Roma e de 1549, e as ‘Nouvelles
des Indes’, de Paris, estampada no ano seguinte. As próprias ‘Lendas da
Índia’, de Gaspar Correia, que tão bem conheceu o vice-rei e que foram
terminadas antes de 1564, aludem fartamente aos sucessos de Diu. Mais alargado
é o âmbito de outros textos, como a crónica escrita pelo neto de João de Castro,
Fernando de Castro, filho natural de Álvaro de Castro, intitulada ‘Crónica
do Vice-Rei D. João de Castro’, no entanto, nem sempre objectiva, pois é
claramente um panegírico, para enobrecimento da sua linhagem. É curioso que
João de Castro, ao que tudo indica desapegado aos bens materiais, não deixou de
organizar um sumptuoso cortejo triunfal, quando da sua entrada em Goa, após os
sucessos de Diu. Mais do que a vaidade pessoal, julgamos estar em presença de um
acto de Estado, uma homenagem que era devida a quem representava naquele
momento o rei de Portugal. Lido nos Clássicos, conhecedor nomeadamente de
Vitrúvio, tudo foi organizado como o arquitecto romano de Augusto deixou
escrito no Livro IX do seu ‘De Architectura’; ao longo das ruas estavam
estátuas e muitas pinturas alusivas ao cerco de Diu, entrou sob um riquíssimo
pálio, e mandou fazer expressamente um arco triunfal, como os de Roma que celebraram
Tito ou outro grande general vitorioso». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de D. João de Castro, A importação de esculturas de Itália nos
séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.
continua
Cortesia de Wikipedia/JDACT