Terra da Vera Cruz
«Aos 24 dias de Abril, que foi quarta-feira da oitava da Páscoa, houve
a dita armada vista de terra, de que teve grande prazer, diz um marinheiro
anónimo. O que daqui se depreende não é que houvesse muita surpresa, mas apenas
um interesse agradável. E a terceira testemunha ocular que deixou o seu relato
não parece mesmo anunciar qualquer nova de descoberta:
- ‘quanto Señor al sytyo desta terra, informa Mestre João, físico, dirigindo-se ao rei Manuel I, mande vosa altesa trazer un mapamundy que tyene Pero Vaz Bisagudo, e por ay podera ver vosa altesa al sytyo desta terra, en pero aquel mapamundy nõ çertyfica esta terra ser habytada o no, es mapamundy antiguo’.
Inesperada ou não, era uma terra encantadora que se revelou ao outro
dia, ao amanhecer, quando os navios desferraram as velas para se aproximarem da
costa. Todas de verde brilhante, árvores enormes erguiam os seus topes para o
azul ferrete do céu; o mar, também azul ferrete, desfazia-se em ondas
translúcidas sobre a fina areia da praia, e o vento, fresco e rescendente, era como
uma carícia. A Pero Vaz de Caminha lembrava--lhe a brisa do Verão no seu Entre-Douro-e-Minho
natal.
A armada lançou ferro na foz dum rio que corria por entre as sombras
verdes. Os capitães reuniram-se na capitaina e discutiram os seus planos com os
pilotos. Não era esta uma reunião de personalidades banais a que presidia Pedro
Álvares Cabral.
O Capitão-General, fidalgo alto e magro, era um soldado valente, mas ao
mesmo tempo homem brando, mesurado e de juízo prudente, qualidades que tinham presidido
à sua escolha, como também a distinção do seu parentesco. Homem experimentado
como era, podiam bem confiar-lhe o comando, no que o auxiliariam os seus
distintos subordinados.
O primeiro de todos era Bartolomeu Dias, que descobrira o Cabo de Boa Esperança.
Com ele ia Diogo Dias, seu irmão, de feitio alegre, que acabara de regressar da
Índia com Vasco da Gama. Também ali ia Nicolau Coelho, que na viagem à Índia
comandara a caravela ‘Bérrio’. Havia ainda o famoso piloto Pero Escobar,
explorador das cataratas do Congo com Diogo Cão, uns 13 anos antes, e que fora
à Índia no navio de Nicolau Coelho». In Elaine Sanceau, Capitães do Brasil,
Fundação Gulbenkian, Livraria Civilização Editora, Porto, 1956.
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