NOTA:
Texto na versão original.
«Os
religiosos da ordem de Sam Ioam se cliuidem em tres partes: huns saõ caualleiros
freires, outros cappellães, outros sargentos, que saõ seruidores para as armas,
ou para os officios, que tem algum cargo da religião. Tambem acceptarão
Donatos, que saõ huns homeês, que sendo casados, ou solteiros, se fazem familiares
da ordem, para gozarem das graças & priuilegios della. Os quaes trazem húa
Cruz branca de soos tres braços sem o de cima, que pelas leis deste reino não
gozão tlos priuilegios. Em todas as prouincias da Christandade tem esta
religião Priores, & dignidades, & muitas commendas, villas, & fortalezas
de grossas rendas. E como saõ de differentes nações, se diuidem em oito lingoas
principaes, a que as mais se reduzem. A primeira he de Proença. A segunda de
Aluernia. A terceira de França. A quarta de Aragão, Valença, Catalunha, &
Nauarra. A quinta tle ltalia. A sexta era de Inglaterra. A septima he de Alemanha.
A oitaua de Castella, Lião, & Portugal.
Tornando
ao Principe Dom Afonso, como houue a seu poder as villas de Leiria & Torres
Nouas, & outras, começou a conceber em seu animo outras empresas de mais
risco, & de mais honra, indignado de ver em terras, que já Íorão de
Christãos, entronizados os sequazes de Mafamede, com suas mesquitas leuantadas,
onde ja houue igrejas & altares, em que se celebrauão os diuinos officios,
& de que tantos damnos, & oppressofu recebião todas as tenas dos Christãos
cada dia. E com conselho dos seus se resolueo em trabalhar quanto podesse por
os lançar fora dellas, fazendolhes logo guerra nas terras de Alenteio, assi por
nellas hauer poucas fortalezas, & a terra ser fertil, em que podião achar
muitos mantimentos, como porque naquellas partes hauia hum Rei Ismar mui
poderoso, que dominaua todas aquellas terras do Poente, com quem elle desejaua
de se encontrar, & ttarlhe batalha: do qual se Deos quisesse que houuesse
victoria, esperaua hauer o dominio de totla a terra da estremadura, que se lhe
não poderia defender. Tendo isto determinado, & sendo o anno de M. CXXXIX.
& hauendo noue annos que a Rainha sua mai era fallecida, ajuntou boa
companhia de gente escolhida, com a qual, como se fez prestes, partio de
Coimbra, & na primeira jornada que fez, acontesceo de lhe morrer seu aio,
& bom conselheiro Dom Egas Moniz, que elle muito sentio, assi por o amor
que lhe tinha como a pai, porque elle o criara, & feruira de menino, como
por a muita necessidade que de seu conselho tinha naquelle tempo.
E
mostrando por sua morte muito sentimento, (como os Principes deu em fazer polos
boõs seruidores que lhes monem, para incitar, & contentar os que lhe ficão)
o mandou mui acompanhado de muita nobre gente a Paço de Sousa, hum moesteiro,
que elle fundara, duas legoas da ciclade do Porto, para sua sepultura, a que
deixou muita renda, & muitos ornamentos, como também edificara o moesteiro
de Sam Martinho de Cucujães na terra de sancta Maria, & como sua molher
Dona Tareja edificou, & fundou o moesteiro das Cerzedas, duas legoas de
Lamego, da ordem de Sam Bento, em que jaz enterrada. E he para notar a
differença que ha dos homeõs daquelle tempo aos deste, que hum fidalgo sem
terras, & com muitos Íilhos, em tempo que não hauia Indias, nem Mina, nem
Brasil, com sua molher fazia tres moesteiros mui sumptuosos & grandes,
& os dotaua de muitas rendas, sem deixar diuidas a seus filhos, o que nestes
tempos se não taz. A causa disto he a sobriedade, & temperança dos homeõs
de entam, & o luxo & destemperança dos dagora». In Tesouros da
Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte
Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.
Cortesia
de Lello e Irmão Editores/JDACT