«Este objectivo devia conseguir-se não por leis agrárias revolucionárias,
Herculano foi um dos mais convictos defensores do direito absoluto de propriedade,
baseado para ele no ‘Direito natural’, mas por uma legislação adequada que estimulasse
as vendas, as partilhas, e especialmente os aforamentos; pela introdução do hábito
das Caixas ' Económicas, que ele recomendava já em 1844 como meio eficaz de
capitalização para os assalariados, e pela facilitação e barateamento do
crédito.
Em especial Herculano redigiu para o ministério de 22 de Maio um
projecto de lei sobre aforamento de baldios pelos quais esperava transferir
gradualmente os bens vinculados para a posse de pequenos proprietários; e como
presidente da Câmara de Belém propôs uma Caixa de Socorros Agrícolas, espécie
de banco rural constituído por cotizações dos interessados, que seriam
exclusivamente os pequenos g médios proprietários, destinado a emprestar dinheiro para os trabalhos agrícolas ao preço estritamente
indispensáve1 para custear a administração. Tratava-se, afinal de uma espécie
de banco-cooperativa, mas com uma particularidade significativa: ser administrada
pelo município.
Revela-nos este pormenor como a estrutura económica visionada por
Herculano se articulava com a estrutura política municipalista. O cidadão do município
tal como o via o nosso autor, era na realidade o pequeno ou médio proprietário
agrícola; o município era uma associação de pequenos ou médios proprietários de
interesses limitados à área do concelho. O município era portanto uma
cooperativa económica e política dos proprietários do respectivo território.
Pelo municipalismo, aliado a uma adequada legislação sobre o crédito e
o fomento da propriedade, pretendia Herculano, ao mesmo tempo, realizar uma
reforma política e manter, consolidando-a, uma estrutura económica tradicional,
prevenindo num e noutro campo a concentração. É evidente que a regeneração fontista
com os seus largos projectos de fomento, que aliás se reduziram à viação, e com
a concentração política, que disfarçadamente mas firmemente visava, era o
inimigo número um a combater para quem propunha tal programa.
Se quisermos apreciar com justiça este programa de Herculano convém
distinguir entre o seu aspecto crítico e negativo, e o seu aspecto construtivo,
ou seja considerá-lo como crítica da Regeneração e como programa de reforma.
Sob o primeiro aspecto, é evidente a razão de Herculano ao acusar a
viciação do sistema parlamentar pelos partidos políticos constitucionais,
formação de oligarquias de profissionais de política destituídos de qualquer
programa sério de governo a que dava lugar esse sistema; a destruição das
autonomias locais; o desinteresse pelos problemas da pequena burguesia
provinciana». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853,
Edições SEN, Porto, 1953.
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