quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Linda Inês. O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas. Luís de Camões. «As pessoas pasmadas, de ignorantes, as lágrimas no rosto, a cor perdida, cuidem que o Mundo já se destruiu. Oh gente temerosa, não te espantes, que este dia deitou ao Mundo a vida mais desgraçada que jamais se viu!»



jdact

In Memoriam de JLT.
A recordar o pp dia 7 de Setembro.

«O seu fim foi trágico. A julgar pelo soneto em que amaldiçoa o dia em que nasceu, em termos que soam como gritos angustiados vindos duma alma no mais profundo desespero, e no qual exprime com raiva o seu ressentimento contra esse malfadado dia que lhe deu a sina duma vida mais desgraçada que jamais se viu;

O dia em que nasci morra e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, o Sol se escureça,
mostre ao Mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o Mundo já se destruiu.

Oh gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao Mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Como a Chancelaria do rei Sebastião não trazia em dia os pagamentos da tença devida ao Poeta pela sua tarefa como soldado ao serviço de Portugal, uma reforma militar mesquinha de soldado destinada a suportá-lo até ao fim da vida, Camões acabou por morrer em tal miséria, que foi uma mão caritativa da casa do conde de Vimioso quem deu o lençol que lhe amortalhou o corpo, conta-nos o seu biógrafo Manuel Severim Faria.
Finalmente, é Filipe II de Espanha, já rei de Portugal, quem paga à mãe do maior poeta português de sempre as tais tenças devidas ao filho falecido e dá uma modesta pensão a essa pobre viúva. Para vergonha dos governantes portugueses do seu tempo, virá a ser o monarca espanhol quem salda a magra dívida do Estado Português a essa idosa criatura, por certo cheia de carências, mulher generosa que dera a Portugal o seu maior génio literário.
A primeira consagração do Poeta veio a seguir à sua morte, por intermédio dos letrados espanhóis, que logo reconheceram o enorme valor do poema e do resto da sua obra, e lhe começaram a dar a merecida dimensão na Europa renascentista. Obviamente que Filipe II não seria estranho a esta atitude de reconhecimento, pois tivera de vencer violentas oposições para subir ao trono de Portugal e estava agora interessado em cativar as simpatias dos seus novos súbditos portugueses por todos os processos, até pagando modestas dívidas meio esquecidas.
Esta consagração enquadrava-se bem no empenhamento deste monarca em recuperar o país, que caíra no caos social e na miséria, resultado da loucura em que a Nação Portuguesa se envolvera ao tentar transformar-se num Império, o tal Quinto Império, que se havia de alicerçar na eventual conquista do Reino de Marrocos.
Camões, homem de génio, tivera a grandeza de acreditar nessa espécie de loucura colectiva em que se afogara Portugal, loucura liderada pelo rei Sebastião, um jovem rei alucinado, e foi por isso que integrou corajosamente esse sonho de glória nos últimos versos proféticos de os Lusíadas. Toda esta euforia que abarcou Portugal e conduziu os portugueses até ao Norte de África numa aventura irresponsável liderada por um rei ensandecido por lendas de cavalaria, terminou tragicamente nas areias de Alcácer Quibir». In Luís de Camões, Linda Inês, O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas, História de um Amor Fatídico, Introdução e Paráfrase de Jorge Tavares, Mel Editores, 2009, ISBN 978-989-635-069-7.

Cortesia de Mel Editores/JDACT