In Memoriam de JLT.
A recordar o pp dia 7 de Setembro.
«O seu fim foi trágico. A julgar pelo soneto em que amaldiçoa o dia em
que nasceu, em termos que soam como gritos angustiados vindos duma alma no mais
profundo desespero, e no qual exprime com raiva o seu ressentimento contra esse
malfadado dia que lhe deu a sina duma vida
mais desgraçada que jamais se viu;
O dia em que nasci morra e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o Sol padeça.
A luz lhe falte, o Sol se escureça,
mostre ao Mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o Mundo já se destruiu.
Oh gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao Mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!
Como a Chancelaria do rei Sebastião não trazia em dia os pagamentos da
tença devida ao Poeta pela sua tarefa como soldado ao serviço de Portugal, uma
reforma militar mesquinha de soldado destinada a suportá-lo até ao fim da vida,
Camões acabou por morrer em tal miséria, que foi uma mão caritativa da casa do
conde de Vimioso quem deu o lençol que lhe amortalhou o corpo, conta-nos o seu
biógrafo Manuel Severim Faria.
Finalmente, é Filipe II de Espanha, já rei de Portugal, quem paga à mãe
do maior poeta português de sempre as tais tenças devidas ao filho falecido e
dá uma modesta pensão a essa pobre viúva. Para vergonha dos governantes
portugueses do seu tempo, virá a ser o monarca espanhol quem salda a magra
dívida do Estado Português a essa idosa criatura, por certo cheia de carências,
mulher generosa que dera a Portugal o seu maior génio literário.
A primeira consagração do Poeta veio a seguir à sua morte, por
intermédio dos letrados espanhóis, que logo reconheceram o enorme valor do
poema e do resto da sua obra, e lhe começaram a dar a merecida dimensão na
Europa renascentista. Obviamente que Filipe II não seria estranho a esta
atitude de reconhecimento, pois tivera de vencer violentas oposições para subir
ao trono de Portugal e estava agora interessado em cativar as simpatias dos
seus novos súbditos portugueses por todos os processos, até pagando modestas
dívidas meio esquecidas.
Esta consagração enquadrava-se bem no empenhamento deste monarca em
recuperar o país, que caíra no caos social e na miséria, resultado da loucura
em que a Nação Portuguesa se envolvera ao tentar transformar-se num Império, o
tal Quinto Império, que se havia de alicerçar na eventual conquista do Reino de
Marrocos.
Camões, homem de génio, tivera a grandeza de acreditar nessa espécie de
loucura colectiva em que se afogara Portugal, loucura liderada pelo rei
Sebastião, um jovem rei alucinado, e foi por isso que integrou corajosamente
esse sonho de glória nos últimos versos proféticos de os Lusíadas. Toda esta euforia
que abarcou Portugal e conduziu os portugueses até ao Norte de África numa
aventura irresponsável liderada por um rei ensandecido por lendas de cavalaria,
terminou tragicamente nas areias de Alcácer Quibir». In Luís de Camões, Linda
Inês, O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas, História de um Amor Fatídico, Introdução
e Paráfrase de Jorge Tavares, Mel Editores, 2009, ISBN 978-989-635-069-7.
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