pedroemanuelsantos
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Amor é fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontentei;
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder.
É um querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é mesmo o Amor?
In Luís Vaz de Camões
«Uma figura de mulher avulta em ‘Os
Lusíadas’, onde marca presença com o seu drama e as suas súplicas. O
episódio em que figura é uma jóia da nossa literatura e mostra-nos como o nosso
maior poeta tão bem soube imortalizar um drama de amor num poema épico. É ela
Inês de Castro, a linda Inês, a ‘Colo de
Garça’, paixão do rei Pedro I, aquela que depois de morta foi Rainha. O
episódio inesiano refere os amores de Pedro e D. Inês, um dos maiores dramas da
nossa História, que é cantado em versos inexcedíveis.
Para um bom entendimento deste excerto do poema, achamos ser
conveniente acrescentar alguns textos e permitir apreender melhor o sentido
destes versos.
Além disso, para tornar acessíveis os versos de Camões a quem possa ter
alguma dificuldade em entender o português quinhentista, acompanhamos estes
versos com uma paráfrase, uma transcrição em prosa, de molde a que melhor se
possa apreciar o sentido dessa obra poética para lá da sua beleza formal.
Precedem, pois, este fragmento do poema épico camoniano textos descritivos
pormenorizando os factos sucedidos, que se destinam a integrar o drama no
ambiente histórico onde se desenrolaram todos os acontecimentos, enquanto se dá
algum destaque aos principais intervenientes, e ainda o que sucedeu depois. Mas
comecemos por falar do poeta e do seu poema.
O Poeta e o seu Poema
De Luís de Camões já se disse imenso, mas de factual pouco se sabe.
Escasseiam documentos coevos onde ele venha referido, mesmo duma maneira
superficial ou indirecta. Sabe-se que nasceu em Portugal pelos fins do primeiro
quartel do século XVI e terá morrido por volta de 1580, tinha barba ruiva e
perdera um olho numa acção militar. Pertenceria a uma família da pequena nobreza,
de condição modesta, mesmo pobre e de pouca consequência social, e veio a ser um
dos maiores poetas de sempre.
Como soldado esteve em Ceuta, viajou depois até à Índia, andou pelo Oriente,
onde foi de novo soldado e depois funcionário, sofreu desgraças e azares, e
acabou por regressar a Portugal cheio de dificuldades, vindo a morrer em
Lisboa, na mais extrema miséria, cerca de 1580.
Já no fim da vida, publicou ‘Os
Lusíadas’, obra que pela sua qualidade pôs a Língua Portuguesa ao nível das
mais nobres línguas clássicas. É notório, porém, que a publicação não lhe terá
granjeado vantagens substanciais nem grande prestígio e aceitação entre os seus
contemporâneos, que quase o ignoraram nos seus escritos.
Em todos os seus versos transparece uma sensibilidade artística
extrema, que se exprime através dum domínio inigualável da Língua Portuguesa.
Transparece também uma vida sofrida, cheia de experiências variadas, vida
apaixonada e dura, vivida com uma grande percepção e inteligência, mostrando
largo entendimento dos homens e das coisas.
Aflora na sua obra uma cultura vasta, bem aprendida nos textos
clássicos e na escola da vida, estudada tanto no recato das bibliotecas como
nos balcões da sorte, um saber de experiência feito, tudo caldeado entre as
teias que o ‘Império tece’, de que fala Fernando Pessoa.
O episódio inesiano refere os amores de Pedro e D. Inês, um dos maiores
dramas da nossa História, que é cantado em versos inexcedíveis.
A sua vivência, mal conhecida, resumiu-a o próprio poeta no soneto:
Erros meus, má fortuna, amor ardente,
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava amor somente.
Tudo passei, mas tenho tão presente
a grande dor das coisas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos,
dei causa que a fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
este meu duro Génio de vingança!
In Luís de Camões, Linda Inês, O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas, História
de um Amor Fatídico, Introdução e Paráfrase de Jorge Tavares, Mel Editores,
2009, ISBN 978-989-635-069-7.
Cortesia de Mel Editores/JDACT