Rosto da 2ª edição, de 1731
Retrato de António Galvão
jdact
Estudo biobibliográfico
«Dois empreendimentos avultam entre os que revolucionaram, pelas consequências
político-económicas, a Europa e o próprio Mundo. O primeiro sobressai do
caminho marítimo da Índia e da sua influência no comércio das especiarias; o
segundo representa-o o domínio português nos arquipélagos de Banda e Maluco, ou
seja a extensão directa do trato mercantil às origens dos produtos demandados.
Os sucessos que levaram os portugueses à Índia e à fundação ali de um
império imenso já foram objecto de análise metódica e criteriosa, senão de
propaganda adequado; outro tanto não podendo dizer-se dos que os conduziram às
ilhas famosas do cravo, do maça e da noz, cujo estudo condigno e divulgação
continuam por realizar.
São do domínio de quantos se interessam pela história de Portugal os
nomes dos obreiros da rota marítima e do império da Índia, bem como alguns
pormenores capitais de suas virtudes, constâncias, triunfos e reveses.
Que sabe, porém, o português medianamente culto da extensão do império
aos arquipélagos das especiarias, dos cuidados e dificuldades de que ela foi
objecto?
Na obra ‘Grandes e Humildes na
Epopeia Portuguesa do Oriente’ expomos as peripécias da navegação
Malaca-Banda, traçado por António de Abreu e aperfeiçoada por pertinaz
observação dos agentes físicos da superfície dos mares, de que não temos
notícia concreta, mas que atesta a viagem empreendida por Simão de Abreu, em
Maio de 1523, de Ternate a Malaca, pelo Norte das Celebes, estreitos de Basilan
e Balabac, costa de Bornéu até à altura do Cabo Datu e estreito de Singapura.
Confirma aquela navegação o estudo dedicado pelos portugueses aos mares, rotas
e regiões que entravam a explorar, com o objectivo económico de libertar o tráfico
entre Malaca e as Molucas do inconveniente de longas estadas em Bonda,
aguardando monção favorável.
Na mesma obra e nas biografias de quantos governaram aqueles arquipélagos
fertilíssimos e neles militaram com bravura, expomos as peripécias da sua
ocupação e sujeição, empresa gigantesca em que prima o esforço do navegador,
guerreiro, administrador e colonialista que foi António Galvão.
Não é este o lugar para preencher as lacunas que caracterizam as tentativas,
algumas excelentes, de biografar o homem o quem o culto da equidade e da
justiça, mais do que notáveis feitos bélicos, granjeou o título de ‘Apóstolo das Molucas’.
António Galvão nasceu do ‘convívio
sexual de certa dama’, cujo nome desconhecemos, com Duarte Galvão,
secretário de Afonso V e João II, que o fez do seu conselho e o mandou por embaixador
a Maximiliano, rei dos romanos, qualidade em que também serviu ao rei Manuel I,
cujo cronista-mor foi, que nele delegou as negociações com o pontífice Júlio II
de uma liga contra o Grão Turco e o Soldão do Egipto, e várias embaixadas às
cortes de França, Áustria e Abissínia.
Pelo lado paterno, era António Galvão neto de Rui Galvão, escrivão da
câmara de Afonso V e notário geral do reino, e de sua mulher D. Branca
Gonçalves, havida em D. Catarina Anes pelo pe Pedro Gonçalves, cónego da Sé
de Lisboa e prior de Santa Maria de Óbidos.
O autor da ‘Biblioteca Lusitana’ atribui à Índia a naturalidade de
António Galvão, informe que alguns investigadores modernos repudiam por
indocumentado, sem consideração de ser também falha de prova a presunção, com
que argumentam, de coincidir a primeira viagem de Duarte Galvão ao oriente com
a sua embaixada ao Preste João.
A probidade de Diogo Barbosa Machado acredita-lhe os dizeres e justifica
o patrocínio que persistimos em dispensar à naturalidade indiana de António
Galvão até prova documentada da impossibilidade de o pai ir à Índia antes da
embaixada à Abissínia ou de a mãe dar ali à luz um filho concebido em Portugal.
António Galvão embarcou para o reino em frota que não logramos identificar,
a fim de receber educação adequada à sua nobre estirpe e à prosápia de que
justificadamente podia blasonar.
Não encontrámos vestígio das datas do seu nascimento e primeira vinda a
Portugal, onde, aos 23 de Janeiro de 1522, iniciou na nau Nazaré, da capitania
de seu primo Pedro de Castro, a carreira marítima e militar que havia de guindá-lo
à glória». In António Galvão, Tratado dos Descobrimentos, Livraria Civilização
Editora, Biblioteca Histórica de Portugal e Brasil, Porto, 1987.
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