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«Esta obra abrange as datas de 1890 a 1930. A designação ‘História das Nossas Avós’, Retrato da
Burguesa em Lisboa, pretende delimitar territórios, situar fronteiras, gizar
criteriosamente um campo de material historiográfico.
Antes de se entrar no porquê das datas escolhidas para balizar o
trabalho de pesquisa, há que encontrar a explicação de um universo temático.
‘História das Nossas Avós’,
Retrato da Burguesa em Lisboa. Um retrato pressupõe uma fidelidade, uma
apreensão nítida da realidade. Ora, numa história das mentalidades difícil será
dilucidarmos essa nitidez em contornos exactos, tendo em conta a complexidade
das questões, as intimidades que se elegem e que na maior parte dos casos têm a
ver com um espaço doméstico e privado. Contudo, procurámos realizar esse
retrato. E disponibilizamo-nos para as grandes questões que atravessam o
quotidiano da mulher burguesa, as suas vivências e realidades.
É óbvio que nos preocupámos em seleccionar a burguesa de uma classe
média/alta, delimitando à partida territórios sociais. O porquê desta escolha,
encontra-se em grande parte no destinatário privilegiado das fontes
consultadas. Desde as revistas de moda, passando pelos manuais de civilidade, a
literatura disponível, os inúmeros folhetos que circularam pelas nossas mãos,
tudo se destinava a essa mulher algo ociosa da média e grande burguesia, embora
a pequeno burguesa eventualmente também partilhasse em parte do universo mental
daqueloutra de escalões mais elevados.
E, neste entrecho, há que salientar que é toda uma historia do
quotidiano que se não encontra elaborada senão parcialmente em monografias que
se vão publicando esparsamente, ou em artigos de revistas especializadas. Mas
apreender o quotidiano da Burguesa, da Lisboeta mais precisamente entre 1890 e
1930, é tarefa difícil tendo em conta que as fontes nunca foram trabalhadas
sistematicamente. Foram alguns anos árduos de pesquisa na Biblioteca Nacional,
para além de visitas regulares à Biblioteca Nacional de Paris, onde se
encontraram caminhos importantes sobre a mulher parisiense.
Alguns estudos publicados em França, Inglaterra, Estados Unidos e Espanha
sobre a Mulher em períodos não muito distantes daqueles que nos preocuparam,
constituíram, do ponto de vista metodológico, obras fundamentais de apoio.
Desde logo, interessou-nos percorrer um trilho de preocupações.
Primeira questão: qual a conotação de burguês/burguesa? No século XIX,
burguês evocava uma posição económico-social, quer com um significado moral quer
com uma conotação intelectual. A burguesa não era nem a descendente da nobreza,
classe em franca degenerescência com o finalizar do século XIX, nem a operária
ou a mulher trabalhadora.
Será que os burgueses em Portugal se consideravam uma burguesia? Haveria
uma consciência de classe? E sobretudo, para a realização desta obra, onde
acabava o povo e se iniciava a burguesia? A questão colocada assim poderá
parecer pouco pertinente, mas as fronteiras tiveram de ser gizadas. A burguesa
que elegemos nesta obra não usufruía qualquer salário, com excepção da
intelectual, espécie então assaz rara, que possuía bens próprios herdados ou
adquiridos por casamento. Não se trata da ‘remediada’
ou daqueloutra que se priva de ter uma criada, por falta de rendimentos. É a
classe media e media/ alta que nos interessou preferencialmente.
Metodologicamente, iniciámos um percurso pelas influências estrangeiras
nos modelos de conduta da mulher burguesa. Aqui deparámo-nos com um primeiro
problema: como surpreender esses modelos de conduta, como os filtrar. As
leituras da burguesa. Que leituras fazia, com que devaneios, sonhos, ambições
se deparava?
Os autores lidos e inseridos nas bibliotecas de senhoras, maioritariamente
franceses, apontam para uma ideologia conservadora com uma coloração cor de
rosa no modo como se propiciavam situações amorosas.
Encontramo-nos no território
dúbio, mas aliciante da historia das mentalidades. Poderemos dizer, como J.
le Goff, que:
- ‘o nível de historia das mentalidades é o do quotidiano é do automático, é aquilo que escapa aos sujeitos individuais da historia porque revelador do conteúdo impessoal do seu pensamento’.
Ou, ainda, como nos refere Joel Serrão acerca da problemática das mulheres:
- ‘Antes de mais, importa averbar que a problemática ante a qual se está situado é abordável ou numa perspectiva de historia cultural ou de historia das mentalidades ou, ainda, no entrecruzamento das duas’.
In Cecília Barreira, História das Nossas Avós, Retrato da Burguesa em
Lisboa (1890-1930), Edições Colibri, Colecção Sociedade & Quotidiano, 1994,
ISBN 972-8047-63-0.
Cortesia de E. Colibri/JDACT