sábado, 1 de setembro de 2012

História das Nossas Avós. Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930). Cecília Barreira. «Será que os burgueses em Portugal se consideravam uma burguesia? Haveria uma consciência de classe? E sobretudo, para a realização desta obra, onde acabava o povo e se iniciava a burguesia?»



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«Esta obra abrange as datas de 1890 a 1930. A designação ‘História das Nossas Avós’, Retrato da Burguesa em Lisboa, pretende delimitar territórios, situar fronteiras, gizar criteriosamente um campo de material historiográfico.
Antes de se entrar no porquê das datas escolhidas para balizar o trabalho de pesquisa, há que encontrar a explicação de um universo temático.
‘História das Nossas Avós’, Retrato da Burguesa em Lisboa. Um retrato pressupõe uma fidelidade, uma apreensão nítida da realidade. Ora, numa história das mentalidades difícil será dilucidarmos essa nitidez em contornos exactos, tendo em conta a complexidade das questões, as intimidades que se elegem e que na maior parte dos casos têm a ver com um espaço doméstico e privado. Contudo, procurámos realizar esse retrato. E disponibilizamo-nos para as grandes questões que atravessam o quotidiano da mulher burguesa, as suas vivências e realidades.
É óbvio que nos preocupámos em seleccionar a burguesa de uma classe média/alta, delimitando à partida territórios sociais. O porquê desta escolha, encontra-se em grande parte no destinatário privilegiado das fontes consultadas. Desde as revistas de moda, passando pelos manuais de civilidade, a literatura disponível, os inúmeros folhetos que circularam pelas nossas mãos, tudo se destinava a essa mulher algo ociosa da média e grande burguesia, embora a pequeno burguesa eventualmente também partilhasse em parte do universo mental daqueloutra de escalões mais elevados.
E, neste entrecho, há que salientar que é toda uma historia do quotidiano que se não encontra elaborada senão parcialmente em monografias que se vão publicando esparsamente, ou em artigos de revistas especializadas. Mas apreender o quotidiano da Burguesa, da Lisboeta mais precisamente entre 1890 e 1930, é tarefa difícil tendo em conta que as fontes nunca foram trabalhadas sistematicamente. Foram alguns anos árduos de pesquisa na Biblioteca Nacional, para além de visitas regulares à Biblioteca Nacional de Paris, onde se encontraram caminhos importantes sobre a mulher parisiense.
Alguns estudos publicados em França, Inglaterra, Estados Unidos e Espanha sobre a Mulher em períodos não muito distantes daqueles que nos preocuparam, constituíram, do ponto de vista metodológico, obras fundamentais de apoio.
Desde logo, interessou-nos percorrer um trilho de preocupações.

Primeira questão: qual a conotação de burguês/burguesa? No século XIX, burguês evocava uma posição económico-social, quer com um significado moral quer com uma conotação intelectual. A burguesa não era nem a descendente da nobreza, classe em franca degenerescência com o finalizar do século XIX, nem a operária ou a mulher trabalhadora.
Será que os burgueses em Portugal se consideravam uma burguesia? Haveria uma consciência de classe? E sobretudo, para a realização desta obra, onde acabava o povo e se iniciava a burguesia? A questão colocada assim poderá parecer pouco pertinente, mas as fronteiras tiveram de ser gizadas. A burguesa que elegemos nesta obra não usufruía qualquer salário, com excepção da intelectual, espécie então assaz rara, que possuía bens próprios herdados ou adquiridos por casamento. Não se trata da ‘remediada’ ou daqueloutra que se priva de ter uma criada, por falta de rendimentos. É a classe media e media/ alta que nos interessou preferencialmente.
Metodologicamente, iniciámos um percurso pelas influências estrangeiras nos modelos de conduta da mulher burguesa. Aqui deparámo-nos com um primeiro problema: como surpreender esses modelos de conduta, como os filtrar. As leituras da burguesa. Que leituras fazia, com que devaneios, sonhos, ambições se deparava?
Os autores lidos e inseridos nas bibliotecas de senhoras, maioritariamente franceses, apontam para uma ideologia conservadora com uma coloração cor de rosa no modo como se propiciavam situações amorosas.
Encontramo-nos no território dúbio, mas aliciante da historia das mentalidades. Poderemos dizer, como J. le Goff, que:

  • ‘o nível de historia das mentalidades é o do quotidiano é do automático, é aquilo que escapa aos sujeitos individuais da historia porque revelador do conteúdo impessoal do seu pensamento’.
Ou, ainda, como nos refere Joel Serrão acerca da problemática das mulheres:

  • ‘Antes de mais, importa averbar que a problemática ante a qual se está situado é abordável ou numa perspectiva de historia cultural ou de historia das mentalidades ou, ainda, no entrecruzamento das duas’.

In Cecília Barreira, História das Nossas Avós, Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930), Edições Colibri, Colecção Sociedade & Quotidiano, 1994, ISBN 972-8047-63-0.

Cortesia de E. Colibri/JDACT