A
Tomada de Ceuta
«Assim tudo combinado, haviam portanto adquirido grande
actividade os preparativos da expedição. Era em 1415, o infante Henrique estava
no Porto, o infante Pedro em Lisboa tinha idêntica tarefa à do irmão na cidade
do norte, e o infante Duarte sempre junto ao pai, embrenhado era despachos e
estudos, trabalhando sem descanso, dando audiências, escrevendo a miudo, sentia,
mau grado seu, derivar o espírito para os delírios íntimos e desesperadores de
um nerropatha. Bondoso e triste,
resignava-se, em silêncio. Mas aquele ‘rijo pensamento com receio da morte’
tolhia-lhe toda a boa vontade de mostrar se contente com a expedição;
consultava os physicos, consolava-se
com os ditames da filosofia, nada o distraía porém. E então somente todo se
multiplicava na tarefa da governação do Estado, mostrando bem as suas
tendências de príncipe burocrata.
Henrique era muito outro; a sua mente não tinha devaneios
nem alucinações; era um forte, musculoso, de bom sangue, um equilibrado, enfim;
se no seu espírito alguma inquietação haveria era a do fito da tendência, da
teimosia do desígnio. Para ele toda a demora seria tormento.
No
Porto tudo se preparava rapidamente, ao seu mando; nada faltaria para o aparelhamento
da frota, e por isso com o máximo cuidado vigiava o Infante. Os principais
cidadãos, à porfia, eram prontos a oferecerem-lhe pessoas e bens para o serviço.
O povo, ainda que desconfiado do destino da expedição, não regateava contudo o
seu trabalho, e tudo se aparelhava, numa faina, para a partida da armada.
E não
se pense que a época era de abastança e sossego, não.
Havia
fome e havia peste. No Porto faltava o pão; proibia-se o embarque dele a
qualquer que de fora viesse; se algum era descoberto em navio com destino a
sair, era apreendido e ao senado tinha de ser paga a coima de cinco mil coroas.
A
peste, outro flagelo. Morriam aos centos; os besteiros das mesnadas do Minho e
Trás-os-Montes, aqueles fortes serranos do Suajo e do Marão, desciam à cidade e
aqui tombavam fulminados pela peste, como que varados por um virotão dos mouros.
E os que
morriam deixavam o mundo com pena de não terem vida até chegarem a saber o
destino da expedição. Era segredo, que não transpirara do conselho de Torres Vedras.
Nas ruas de Lisboa e Porto, em todas as outras cidades, nos castelos, nas aldeias,
em toda a parte, comentava-se o caso e lançavam-se as mentes em conjecturas.
- Para
onde iriam as armadas? Ao resgate do Santo Sepulcro diziam.
E havia
sempre quem explicasse:
-Foi promessa de el-rei, nosso senhor.
E assim nessa meada de conjecturas ninguém podia achar o fio
que o conduziria à descoberta da verdade». In
Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do Porto, 1894G
286, H5A53, Porto.
Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT