terça-feira, 4 de setembro de 2012

Henrique, o Infante. Memória Histórica. Alfredo Alves. Parte XI. «No Porto tudo se preparava rapidamente, ao seu mando; nada faltaria para o aparelhamento da frota, e por isso com o máximo cuidado vigiava o Infante. Os principais cidadãos, à porfia, eram prontos a oferecerem-lhe pessoas e bens para o serviço»


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A Tomada de Ceuta
«Assim tudo combinado, haviam portanto adquirido grande actividade os preparativos da expedição. Era em 1415, o infante Henrique estava no Porto, o infante Pedro em Lisboa tinha idêntica tarefa à do irmão na cidade do norte, e o infante Duarte sempre junto ao pai, embrenhado era despachos e estudos, trabalhando sem descanso, dando audiências, escrevendo a miudo, sentia, mau grado seu, derivar o espírito para os delírios íntimos e desesperadores de um nerropatha. Bondoso e triste, resignava-se, em silêncio. Mas aquele ‘rijo pensamento com receio da morte’ tolhia-lhe toda a boa vontade de mostrar se contente com a expedição; consultava os physicos, consolava-se com os ditames da filosofia, nada o distraía porém. E então somente todo se multiplicava na tarefa da governação do Estado, mostrando bem as suas tendências de príncipe burocrata.
Henrique era muito outro; a sua mente não tinha devaneios nem alucinações; era um forte, musculoso, de bom sangue, um equilibrado, enfim; se no seu espírito alguma inquietação haveria era a do fito da tendência, da teimosia do desígnio. Para ele toda a demora seria tormento.

No Porto tudo se preparava rapidamente, ao seu mando; nada faltaria para o aparelhamento da frota, e por isso com o máximo cuidado vigiava o Infante. Os principais cidadãos, à porfia, eram prontos a oferecerem-lhe pessoas e bens para o serviço. O povo, ainda que desconfiado do destino da expedição, não regateava contudo o seu trabalho, e tudo se aparelhava, numa faina, para a partida da armada.
E não se pense que a época era de abastança e sossego, não.
Havia fome e havia peste. No Porto faltava o pão; proibia-se o embarque dele a qualquer que de fora viesse; se algum era descoberto em navio com destino a sair, era apreendido e ao senado tinha de ser paga a coima de cinco mil coroas.
A peste, outro flagelo. Morriam aos centos; os besteiros das mesnadas do Minho e Trás-os-Montes, aqueles fortes serranos do Suajo e do Marão, desciam à cidade e aqui tombavam fulminados pela peste, como que varados por um virotão dos mouros.
E os que morriam deixavam o mundo com pena de não terem vida até chegarem a saber o destino da expedição. Era segredo, que não transpirara do conselho de Torres Vedras. Nas ruas de Lisboa e Porto, em todas as outras cidades, nos castelos, nas aldeias, em toda a parte, comentava-se o caso e lançavam-se as mentes em conjecturas.
- Para onde iriam as armadas? Ao resgate do Santo Sepulcro diziam.
E havia sempre quem explicasse:
 -Foi promessa de el-rei, nosso senhor.
E assim nessa meada de conjecturas ninguém podia achar o fio que o conduziria à descoberta da verdade». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do Commercio do Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.

Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT