terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. António José Saraiva. «A capital do condado, Boulogne-sur-Mer, encontrava-se nos confins da Bretanha e da Flandres, a pouca distância de grandes cidades mercantis como Gand, Lille, Arras, St. Quentin. Era um porto constantemente ameaçado pelas invasões inglesas durante a Guerra dos Cem Anos»



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«O carácter guerreiro da empresa africana do infante Henrique é confirmado pela orientação das navegações que ele dirigiu. São navegações costeiras de reconhecimento da terra africana, cujo propósito (como, aliás, escreveu Zurara) era encontrar uma entrada ou testa-de-ponte por onde pudesse atacar os Mouros pela rectaguarda, ou achar terra cristã donde lhe viesse auxílio militar contra eles. O descobrimento das ilhas não estava nos seus planos nem nas suas intenções e a procura de uma passagem por noroeste é uma grandiosa fantasia de historiadores excessivamente patrióticos. O infante Henrique merece mais o apodo de ‘príncipe cavaleiro’ que o de ‘príncipe navegador’.
À sua morte, os navegadores portugueses, sempre rumo a sudoeste, estavam chegando às terras donde vinha o ouro. Mas as novas perspectivas que se abriam só foram compreendidas na corte de João II.
A partir deste rei, as navegações têm um carácter decididamente mercantil. O rei compreendeu as possibilidades que do comércio, e especialmente do ouro, advinham para o fim em que verdadeiramente estava empenhado: estabelecer o domínio indisputado da Coroa, centralizar a Administração e domesticar a nobreza. É então que se entra numa nova fase política e cultural.

As expressões da afectividade
A corte dos trovadores
Sendo infante, Afonso, filho de Afonso II de Portugal e irmão de Sancho II, emigrou em 1227 para França, como tantos filhos segundos que buscavam a aventura, a honra, a riqueza e até o ganha-pão nas guerras e nas cortes de além-Pirenéus. Lá se encontrava também seu tio Fernando, filho de Sancho I, conde da Flandres e vassalo do rei de França. Era então regente daquele país sua tia direita D. Branca de Castela, mãe de São Luís, cuja influência política foi sempre poderosa. Quem sabe se por sua mediação, Afonso veio a casar em 1238 com Matilde, nora de Filipe Augusto, rei de França, e viúva de um seu filho, herdeira dos condados de Bolonha e Dommartin. O futuro Afonso III achou-se desta maneira herdeiro de uma das grandes fortunas feudais da Europa e membro da casa real francesa.
A capital do condado, Boulogne-sur-Mer, encontrava-se nos confins da Bretanha e da Flandres, região próspera e culta, a pouca distância de grandes cidades mercantis como Gand, Lille, Arras, St. Quentin. Era um porto constantemente ameaçado pelas invasões inglesas durante a Guerra dos Cem Anos. Afonso viveu em França no intervalo de duas cruzadas e no rescaldo da repressão sangrenta dos Albigenses. A Universidade de Paris, onde ensinavam São Tomás e São Boaventura, estava na época do seu esplendor. Grandes catedrais góticas surgiam de todos os lados. Estava lançada a moda nova dos romances em prosa, que sucedia, no gosto do público, às narrativas em verso cantadas pelos jograis. Corria o vasto ciclo de romances da Demanda do Santo Graal, cujas várias redacções se devem a Chrétien de Troies (último quartel do século XII), a Robert de Boron (começo do século XIII) e a outros autores.
Era esta talvez a novidade literária de maior fortuna. Tratava-se de obras para leitura, e não já de tradições orais, embora alguns jograis continuassem a cantar velhas e prestigiosas canções de gesta.
Novos temas tinham entrado no reportório jogralesco, sobressaindo no interesse do público os poemas chamados de Bretanha; lais de Maria de França e outros autores, histórias mais romanescas do que épicas, cheias de maravilhas e de mistério, em que o amor ocupa o primeiro plano.
Sobrevivia o lirismo de inspiração provençal, que, após o massacre dos Albigenses, se refugiara nas cortes de Itália, Espanha, Alemanha e França do Norte». In António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, Gradiva Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.

Cortesia de Gradiva/JDACT