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«O carácter guerreiro da empresa africana do infante Henrique é confirmado
pela orientação das navegações que ele dirigiu. São navegações costeiras de
reconhecimento da terra africana, cujo propósito (como, aliás, escreveu Zurara)
era encontrar uma entrada ou testa-de-ponte por onde pudesse atacar os Mouros
pela rectaguarda, ou achar terra cristã donde lhe viesse auxílio militar contra
eles. O descobrimento das ilhas não estava nos seus planos nem nas suas
intenções e a procura de uma passagem por noroeste é uma grandiosa fantasia de historiadores
excessivamente patrióticos. O infante Henrique merece mais o apodo de ‘príncipe
cavaleiro’ que o de ‘príncipe navegador’.
À sua morte, os navegadores portugueses, sempre rumo a sudoeste, estavam
chegando às terras donde vinha o ouro. Mas as novas perspectivas que se abriam
só foram compreendidas na corte de João II.
A partir deste rei, as navegações têm um carácter decididamente mercantil.
O rei compreendeu as possibilidades que do comércio, e especialmente do ouro,
advinham para o fim em que verdadeiramente estava empenhado: estabelecer o domínio
indisputado da Coroa, centralizar a Administração e domesticar a nobreza. É
então que se entra numa nova fase política e cultural.
As expressões da afectividade
A corte dos trovadores
Sendo infante, Afonso, filho de Afonso II de Portugal e irmão de Sancho
II, emigrou em 1227 para França, como tantos filhos segundos que buscavam a
aventura, a honra, a riqueza e até o ganha-pão nas guerras e nas cortes de
além-Pirenéus. Lá se encontrava também seu tio Fernando, filho de Sancho I,
conde da Flandres e vassalo do rei de França. Era então regente daquele país sua
tia direita D. Branca de Castela, mãe de São Luís, cuja influência política foi
sempre poderosa. Quem sabe se por sua mediação, Afonso veio a casar em 1238 com
Matilde, nora de Filipe Augusto, rei de França, e viúva de um seu filho,
herdeira dos condados de Bolonha e Dommartin. O futuro Afonso III achou-se
desta maneira herdeiro de uma das grandes fortunas feudais da Europa e membro
da casa real francesa.
A capital do condado, Boulogne-sur-Mer, encontrava-se nos confins da
Bretanha e da Flandres, região próspera e culta, a pouca distância de grandes
cidades mercantis como Gand, Lille, Arras, St. Quentin. Era um porto constantemente
ameaçado pelas invasões inglesas durante a Guerra dos Cem Anos. Afonso viveu em
França no intervalo de duas cruzadas e no rescaldo da repressão sangrenta dos
Albigenses. A Universidade de Paris, onde ensinavam São Tomás e São Boaventura,
estava na época do seu esplendor. Grandes catedrais góticas surgiam de todos os
lados. Estava lançada a moda nova dos romances em prosa, que sucedia, no gosto
do público, às narrativas em verso cantadas pelos jograis. Corria o vasto ciclo
de romances da Demanda do Santo Graal,
cujas várias redacções se devem a Chrétien de Troies (último quartel do século XII),
a Robert de Boron (começo do século XIII) e a outros autores.
Era esta talvez a novidade literária de maior fortuna. Tratava-se de
obras para leitura, e não já de tradições orais, embora alguns jograis
continuassem a cantar velhas e prestigiosas canções de gesta.
Novos temas tinham entrado no reportório jogralesco, sobressaindo no
interesse do público os poemas chamados de Bretanha; lais de Maria de França e
outros autores, histórias mais romanescas do que épicas, cheias de maravilhas e
de mistério, em que o amor ocupa o primeiro plano.
Sobrevivia o lirismo de inspiração provençal, que, após o massacre dos
Albigenses, se refugiara nas cortes de Itália, Espanha, Alemanha e França do
Norte». In António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal,
Gradiva Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.
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