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Vejamos a luta que se travou na alma do amargurado
poeta.
Já é tempo, já, que
minha confiança
se desça de uma falsa opinião;
mas Amor não se rege por
razão.
Não posso perder, logo,
a esperança.
A vida si, que uma
áspera mudança
não deixa viver tanto um
coração,
e eu só na morte tenho a
salvação.
Si; mas quem a deseja
não a alcança.
Forçado é logo que eu
espere e viva.
Ah dura lei do Amor, que
não consente
quietação numa alma, que
é captiva!
Se hei de viver emfim forçadamente,
para que quero a gloria
fugitiva
de uma esperança vã que
me atormente?
(Soneto 49)
Esta canção, escrita em
Ceuta, fecha assim:
Canção, não mais; que já
não sei que diga.
Mas, porque a dor me
seja menos forte,
diga o pregão a causa desta morte.
Mas eram tão profundas as
raízes que essa esperança vã tinha
lançado no pobre coração do poeta! Não era melhor sofrer?
Quando a suprema dor
muito me aperta,
se digo que desejo
esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre
desconcerta.
Assi de erro tão grave
me desperta
a luz do bem regido
intendimento,
que mostra ser engano ou
fingimento
dizer que em tal
descanso mais se acerta.
Porque essa própria
imagem, que na mente
me representa o bem de
que careço,
faz-mo d’um certo modo
ser presente.
Ditosa é logo a pena que
padeço,
pois que da causa della
em mi se sente
Um bem que, inda sem
ver-vos, reconheço.
(Soneto 146)
Lembranças saudosas, se
cuidais
de me acabar a vida
neste estado,
não vivo com meu mal tão
enganado,
que não espere delle
muito mais.
De longo tempo já me
costumais
a viver de algum bem desesperado;
já tenho co a Fortuna
concertado
de soffrer os tormentos
que me dais.
Atada ao remo tenho a
paciência,
para quantos desgostos
der a vida.
Cuide quanto quiser o
pensamento;
que, pois não posso ter
mais resistência
para tão dura queda, de
subida,
aparar-lhe-ei debaixo o soffrimento.
(Soneto 52)
Por fim, não houve
remédio senão ceder. A Razão ficou vitoriosa do Amor. Não quer isto dizer que o
poeta nunca mais tomasse a pensar na infanta. Desistiu de vez, é verdade, da
sua louca pretensão, mas a imagem querida permaneceu-lhe na alma até á morte.
Quanta incerta
esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos!
Pois todos vão fazer
seus fundamentos
só no mesmo em que está
seu próprio dano.
Na incerta vida estribam
de um humano;
dão credito a palavras,
que são ventos,
choram despois as horas
e os momentos,
que riram com mais gosto
em todo o anno.
Não haja em apparencias
confianças;
entendei que o viver é
de emprestado;
que o de que vive o
mundo são mudanças.
Mudai, pois, o sentido e
o cuidado,
somente amando aquellas
esperanças
que duram para sempre
com o amado.
(Soneto 232)
Sempre a Razão vencida
foi de Amor;
mas, porque assi o pedia
o coração,
quis Amor ser vencido da
Razão.
Ora que caso pode haver maior?
Novo modo de morte e nova
dor!
Estranheza de grande admiração!
Pois emfim seu vigor
perde a affeição,
porque não perca a pena
seu vigor.
Fraqueza, nunca a houve
no querer,
mas antes muito mais se
esforça assim
um contrario com outro,
por vencer.
Mas a Razão, que a luta
vence em fim,
não creio que é Razão,
mas deve ser
inclinação, que eu tenho
contra mim.
(Soneto 149)
Foi o coração que pediu
ao Amor se deixasse vencer da Razão. Isto é, foi por amor à infanta que o poeta
deixou de a amar. E o poeta, forçado a renunciar aos seus altos pensamentos, começou a lembrar-se outra vez da menina dos olhos verdes, daquela cujo claro gesto via impresso na sua alma:
(Se) comnosco também se
achara aquella
cuja lembrança e cujo
claro gesto
na alma somente vejo,
porque nella
está em essência puro e
manifesto…
(Epistola 1ª, XXVI, 1-4)
Com que saudades se não
recordaria ele agora dos despreocupados tempos em que namorava a gentil menina!
Como lhe não acudiriam à
memória aqueles deliciosos versos com que, fingindo uma paixão que não tinha,
procurava cativar um coração só aparentemente esquivo! (155)
In José Maria Rodrigues (3
1761 06184643.2), Coimbra 1910, PQ
9214 R64 1910 C1 Robarts/.
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Coimbra/JDACT