«No drama Adão e Eva o cenário da acção e a história recente
e os acontecimentos vividos pelo autor, nomeadamente a sua dolorosa experiência
na frente de combate, e o clima de instabilidade que se seguiu. Percebem-se
também as esperanças nas possibilidades de alterar o rumo dos acontecimentos,
uma crença idealizada na construção dum mundo mais solidário, justo e livre.
A peça termina com ‘uma afirmação de carácter individualista
e construtivo’:
- O Paraíso, agora o sei, está nas nossas almas.
O herói que ‘sonhou a realização do paraíso para toda a
História acabará por afirmar que o paraíso apenas se pode encontrar na alma de
cada um e que a grande revolução a fazer tem que realizar-se não exteriormente [mas]
nas almas’. A expressão de um interessante conceito de revolução, a revolução
nas almas, com o qual Cortesão pretendia demonstrar a necessidade de acordar as
vontades adormecidas para reformar a República que degenerava em conflitos sociais
e políticos, desvirtuando os anseios e os sonhos de quem por ela combateu e
colocou todas as esperanças messiânicas. Raul Proença acompanha-o nestas reflexões
e por isso considera que todas,
- ‘as revoluções que se fazem por mutações bruscas no cenário social; que não procuram antes de realizar-se na ordem dos factos, realizar-se na ordem das consciências; (...) todas essas revoluções são, no fundo, os grandes contos do vigário, a grande trapaça colectiva, em que os crentes sinceros são sempre as maiores vítimas. (...) Esta peça de um revolucionário que condena as revoluções tem a maior oportunidade e o maior valor educativo e catequético’.
São as intenções implícitas na obra que devemos valorizar e
não tanto a qualidade técnica da peça no âmbito da produção contemporânea.
Neste campo, Romero Magalhães considera que este drama ‘não acrescenta nada com
interesse ao panorama do nosso teatro’, opinião partilhada por alguns críticos
contemporâneos que discutiram o valor dramático, literário e moral da peça. Adão e Eva recebe as críticas negativas
de António Ferro, que a considera ‘uma peça retórica, atafulhada de palavras’,
e de Almada Negreiros, que confessa que esperava ver durante os três actos ‘transparecer
por cima dos seis nojentos personagens, a voz do autor anunciando claramente o
nome daquela estrada para a qual temos as pernas bem treinadas, mas a nossa
expectativa levou uma derrota tão grande como a própria peça’.
Opiniões discordantes dos seus contemporâneos, talvez mais
com as ideias do autor expressas na peça do que com a análise do drama em si. O
que nos interessa destacar é que a ‘função didáctica’ do teatro, expressa na
comunicação O Teatro e a educação popular,
e nesta peça reafirmada. Sem o ‘arrebatamento épico’ dos anteriores, mas
continuando a apelar aos sentimentos e à consciência, o protagonista da peça é
contaminado pelo impulso heróico na busca do paraíso perdido, que encontra, não
pela via revolucionária e violenta mas pela revolução interior, a revolução da
alma.
Concluímos que o teatro não é um
mero parêntesis na obra de Cortesão, não é um capítulo que se fecha, ele é a
expressão da sua permanente intervenção cívica, do dinamismo que imprimiu aos
grupos cívico-culturais em que interveio e da dramaticidade que se vislumbra na
escrita da história».
In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA
Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em
Fevereiro de 2006.
A amizade da Elisa
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