Da Queda do Império Romano do Ocidente a Carlos Magno
A instalação dos bárbaros
«No
campo do direito, embora promulguem leis autónomas, os regna fazem-no num esforço
de conciliação do seu direito consuetudinário com o ius romano: a uma primeira fase de coexistência de
dois direitos diferentes para duas populações, segue-se a codificação em latim das
leis, que já vencem limitações de aplicação e são entendidas como destinadas a
toda a população. Ficam-nos como monumentos significativos o Breviarium Alaricianum (506),
com que o rei visigodo Alarico II (?-507), soberano desde 484), dá ao seu povo
(o primeiro para quem é produzida lei escrita com o Codex Euricianus, de c. 470) um resumo do Código Teodosiano, e as Variæ de Cassiodoro (c.
490-c. 583), que também retomam as formas do édito e do rescrito para
testemunhar a actividade legislativa de Teodorico, o Grande. A própria presença de Cassiodoro, de Boécio e de
outros membros da elite romana na sua corte já é apontada como sinal do desejo
de integração do soberano ostrogodo.
A deposição de Rómulo Augústulo
Em
476, não tendo obtido do magister
militum Orestes (?-476) o estatuto de foederati, os soldados
estacionados em Itália elegem Odoacro como rex (c. 434-493) e procedem à deposição do filho de
Orestes, Rómulo Augústulo (459-476, imperador desde 475). Este acontecimento,
que é mais ou menos uma queda sem ruído, como lhe chama Arnaldo Momigliano
(1908-1987), está inserido numa trama de longa duração e traz na sua esteira
uma história de fragmentação regional, aquisição e desejo de autonomias cada
vez mais acentuadas e de uma organização mediterrânica inicialmente integrada,
que se desagrega numa série de regiões ávidas de auto-suficiência política e
económica.
Ver
também: História As migrações dos bárbaros e o fim do Império
Romano do Ocidente, Justiniano
e a reconquista do Ocidente; O
Império Bizantino até ao período do iconoclasmo
Da
Cidade ao Campo
A
historiografia tradicional vê como um dos sinais do fim da Antiguidade o
abandono das cidades e a preferência pelo campo. A realidade das estruturas
urbanas tardo-antigas e alto-medievais é bastante mais complexa e deve ser
explicada mais em termos de transformação do que de declínio: e facto, motivos
propagandísticos, políticos, económicos e eclesiásticos entrelaçam-se na determinação de um
reposicionamento da cidade e do campo nas suas relações recíprocas.
O abandono das cidades
A
historiografia tradicional do século XIX considerava o abandono das cidades e a
transferência da população para os campos, para os latifúndios dos
aristocratas, em conexão com a origem teórica do novo modo de produção feudal,
também chamado sistema da curtis,
fortemente baseado na auto-subsistência e com o declínio da actividade
comercial, um dos traços distintivos da passagem para a Idade Média. Os centros
urbanos iriam, portanto, despovoar-se e transformar-se parcialmente em simples
aldeias com grandes extensões de áreas rurais até no interior dos muros.
Além
disso, a transferência dos ofícios e do comércio para as zonas rurais
envolveria a perda da especificidade económica das cidades. Ao contrário do
mundo antigo, fortemente urbanizado, em que a cidade, símbolo da vida civil e em
sociedade, é o centro de consumo e expedição dos bens produzidos no território
circundante (quer se fale de cidade parasitária quer de cidade produtiva, o
mundo da alta Idade Média seria, principalmente, rural. Em suma, é necessária
uma definição a montante de cidade, não focada unicamente na sua construção,
mas na componente política e social: é evidente que certos edifícios típicos da
cidade antiga, como o teatro e o anfiteatro, desaparecem, mas este dado é
significativo no aspecto cultural, não na definição das instalações urbanas». ».
In
Umberto
Eco, Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote,
2010-2011, ISBN 978-972-204-479-0.
JDACT, Umberto Eco, Idade Média, Cultura e Conhecimento,