quarta-feira, 8 de maio de 2024

O Último Catão. Matilde Asensi.«… a tarefa se resumia na explicação dos signos, independentemente do que todos eles juntos queriam dizer, assim não havia outro remédio do que seguir adiante, sem sair do caminho assinalado, e esclarecer por fim o significado das sete cruzes»

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«Nas origens do cristianismo, e por surpreendente que possa parecer, a Cruz não foi objecto de adoração. Os primeiros cristãos ignoraram completamente o Instrumento do Martírio, preferindo outros elementos ornamentais mais alegres se de representar sinais e imagens. Além disso, durante as perseguições romanas, escassas, já que se reduziram à conhecida actuação de Nero após o incêndio de Roma no ano 64 e, segundo Eusébio (260-341, bispo de Cesárea), aos dois anos da mal chamada Grande Perseguição de Diocleciano (de 303 a 305), durante as perseguições romanas, como disse, a exibição e adoração pública da Cruz seria, indubitavelmente, muito perigosa, de modo que nas paredes das catacumbas e das casas, nas lápidas dos sepulcros, nos objectos pessoais e nos altares, apareciam símbolos tais como o cordeiro, o peixe, ou a pomba.

A representação mais importante, com certeza, era o Lábaro, o monograma formado pelas primeiras letras gregas do nome de Cristo, XP, ji e rho, que foi usado profusamente para decorar os lugares sagrados. Existiam múltiplas variações da imagem do Lábaro, em função da interpretação religiosa que se queria dar: por exemplo, sobre as tumbas dos mártires se representavam Lábaros com uma rama de palma em lugar da letra P, simbolizando a vitória de Cristo, e os monogramas com um triângulo no centro, expressavam o Mistério da Trindade.

No ano 312 de nossa era, o imperador Constantino o Grande, adorador do deus sol, na noite anterior à batalha decisiva contra Magêncio, seu principal rival pelo trono do Império, sonhou que Cristo aparecia e lhe dizia que gravasse essas duas letras, XP, na parte superior dos estandartes de seus regimentos. No dia seguinte, antes do combate, diz a lenda que viu aparecer o dito selo, adicionado de uma barra transversal formando a imagem de uma Cruz, sobre a esfera segadora do sol e, abaixo, as palavras gregas En-Toutoi-Nika, mais conhecidas em sua tradução latina de In hoc signo vinces, Com este signo vencerás. Como Constantino, inquestionavelmente, derrotou Magêncio na batalha da Ponte Milvio, seu estandarte com o Lábaro, chamado mais tarde Labarum, se converteu na bandeira do Império. Este símbolo, pois, adquiriu uma importância extraordinária no restante do Império Romano e, quando a parte ocidental do território, Europa, caiu em poder dos bárbaros, continuou sendo utilizada na parte oriental, Bizâncio, ao menos até ao século VI, momento em que, como já disse, desapareceu por completo da arte cristã.

Então, o Lábaro que nosso etíope exibia no torso era precisamente este que o imperador viu no céu antes da batalha; este com o travessão horizontal e não outra de suas variações, e não deixava de ser um dado curioso, e, mais que curioso, estranho, porque deixara de ser utilizada há catorze séculos, como bem testemunhava o Papa da Igreja São João Crisóstomo, que, em seus escritos, afirmava que, por fim, nos finais do século V, o dito símbolo fora substituído pela autêntica Cruz, exposta agora publicamente com orgulho e prodigalidade.

É certo que ao longo dos períodos românico e gótico os lábaros reapareceram como motivos ornamentais, mas com outras formas diferentes à simples e concreta do Monograma de Constantino. Bem, outro mistério aparentemente resolvido. Mas a palavra STAUROS repartida em letras pelo corpo continuava nos deixando na perplexidade mais absoluta. Cada dia que se passava o desejo de desenredar todo aquele embrulho, de compreender o que aquele estranho cadáver estava tentando nos indicar, ficava mais e mais angustiante. Com certeza, a tarefa se resumia na explicação dos signos, independentemente do que todos eles juntos queriam dizer, assim não havia outro remédio do que seguir adiante, sem sair do caminho assinalado, e esclarecer por fim o significado das sete cruzes». In Matilde Asensi, O Último Catão, 2005, Editora Dom Quixote, ISBN 978-972-202-904-9.

Cortesia de EDQuixote/JDACT

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