terça-feira, 2 de julho de 2024

Amin Maalouf. As Cruzadas vistas pelos Árabes. «… algumas mulheres preparam comida. A chegada dos fugitivos com os turcos no seu encalço espalha o terror. Alguns, que tentaram atingir os bosques vizinhos, são rapidamente alcançados»

jdact e wikipedia

A Invasão. 1096-1100

«(…) É verdade que os franj perderam cerca de seis mil homens, mas os que restam são seis vezes mais numerosos, e esta é a única oportunidade para se livrarem deles. Para tanto, ele preferiu destacar dois espiões, gregos, para o acampamento de Citivot, afim de anunciar que os homens de Renaud estão em excelente condição, que conseguiram apoderar-se da própria Nicéia, e que estão firmemente decididos a não permitir que seus correligionários lhes disputem as riquezas. Enquanto isso, o exército turco preparará uma gigantesca emboscada. De facto, os rumores cuidadosamente propagados suscitam no acampamento de Citivot a confusão prevista. Formam-se grupos, injuria-se Renaud e seus homens. Logo tomam a decisão de pôr-se a caminho para participar do saque de Nicéia.

Mas eis que, subitamente, não se sabe muito bem como, um homem que conseguiu escapar da expedição de Xerigordon chega, revelando a verdade quanto à sorte de seus companheiros. Os espiões de Kilij Arslan pensam ter fracassado em sua missão, já que os mais sábios entre os franj pregam a calma. Mas, passado o primeiro momento de consternação, a exaltação volta.

A multidão se agita e brada, quer partir imediatamente e não mais para participar de meros saques, e sim vingar os mártires. Aqueles que hesitam são tratados de covardes. Finalmente, os mais enfurecidos obtêm ganho de causa, e a partida é fixada para o dia seguinte.

Tendo seu artifício descoberto, ainda que o objectivo houvesse sido previamente atingido, os espiões do sultão triunfam e mandam dizer ao seu senhor que se prepare para o combate. Na madrugada de 21 de Outubro de 1096, os ocidentais deixam seu acampamento. Kilij Arslan não está longe. Ele passou a noite nas colinas próximas a Citivot. Seus homens estão nos seus lugares, bem escondidos. Ele mesmo, de onde está, pode avistar ao longe a coluna dos franj levantar uma nuvem de poeira.

Algumas centenas de cavaleiros, a maioria sem armadura, andam na frente, seguidos por uma multidão de infantes em desordem. Estão andando há menos de uma hora quando o sultão ouve o clamor que se aproxima. O sol que se ergue atrás dele golpeia-os em pleno rosto. Prendendo a respiração, ele faz sinal aos seus emires comandados para que se mantenham alertas.

O instante fatídico é chegado. Um gesto apenas perceptível, algumas ordens sussurradas aqui e ali, e eis os arqueiros retesando lentamente seus arcos. De repente, mil flechas jorram num único e longo assobio. A maioria dos cavaleiros desaba nos primeiros minutos. Depois, os infantes são dizimados por sua vez. Quando se travou o combate corpo-a-corpo, os franj já estavam derrotados.

Aqueles que se encontravam na rectaguarda voltaram correndo para o acampamento, onde os que repousavam eram despertados. Um velho sacerdote celebra um ofício religioso, algumas mulheres preparam comida. A chegada dos fugitivos com os turcos no seu encalço espalha o terror. Alguns, que tentaram atingir os bosques vizinhos, são rapidamente alcançados». In Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Reimpressão, Edições 70, Ensaio, 2016, ISBN-978-972-441-756-1.

Cortesia de Edições70/JDACT

Amin Maalouf, JDACT, Literatura, Cruzadas, Árabes,