terça-feira, 2 de julho de 2024

Amin Maalouf. As Cruzadas vistas pelos Árabes. «Podem ser vistos, nesses primeiros dias de Outubro, olhando desesperadamente para o céu, mendigando algumas gotas de chuva. Em vão. Após uma semana um cavaleiro chamado Renaud…»

jdact e wikipedia

Invasão. 1096-1100

«Kilij Arslan é apanhado de surpresa. Quando lhe chegam as primeiras noticias, os atacantes já estão sob os muros de sua capital; e o Sol ainda não atingia o horizonte quando os cidadãos veem subir a fumaça dos incêndios. Imediatamente, o sultão manda uma patrulha de cavaleiros, que se choca com os franj. Esmagados pelo número, os turcos são massacrados. Apenas raros sobreviventes voltam, ensanguentados, para Niceia. Vendo seu prestígio ameaçado, Kilij Arslan resolve começar a batalha imediatamente, mas os emires de seus exércitos o desaconselham. A noite já vai cair e os franj retiram-se às pressas para seu acampamento.

A vingança terá que esperar. Contudo não por muito tempo. Aparentemente animados com seu sucesso, os ocidentais repetem a façanha duas semanas mais tarde. Dessa vez, o filho de Suleiman, avisado a tempo, segue passo a passo sua progressão. Uma tropa franca, compreendendo alguns cavaleiros, mas sobretudo milhares de saqueadores esfarrapados, pega a estrada de Niceia, depois, contornando a aglomeração, dirige-se para o leste e toma de surpresa a fortaleza de Xerigordon. O jovem sultão se decide.

À frente de seus homens, cavalga rapidamente em direcção à pequena praça-forte onde, para comemorar sua vitória, os franj embebedam-se, incapazes de imaginar que seu destino já esteja selado. Pois Xerigordon apresenta uma armadilha que os soldados de Kilij Arslan conhecem bem, mas que esses estrangeiros inexperientes não foram capazes de descobrir: o abastecimento de água que se situava fora, bastante longe das muralhas. Então os turcos não precisam de muito tempo para interditar seu acesso. Basta-lhes tomar posição ao redor da fortaleza e não se mover mais. A sede luta por eles.

Para os sitiados, começa um suplício atroz: eles chegam a beber o sangue de suas montarias e sua própria urina. Podem ser vistos, nesses primeiros dias de Outubro, olhando desesperadamente para o céu, mendigando algumas gotas de chuva. Em vão. Após uma semana um cavaleiro chamado Renaud, chefe da expedição, aceita a capitulação com a condição de que lhe seja poupada a vida. Kilij Arslan, que exigiu que os franj denunciem publicamente a sua religião, não fica pouco surpreso quando Renaud se diz pronto não só a converter-se ao islamismo, mas também a combater ao lado dos turcos contra seus próprios companheiros. Vários de seus amigos, que se prestaram às mesmas exigências, são enviados como prisioneiros para as cidades da Síria ou da Ásia Central. Os outros são mortos pela espada. O jovem sultão está orgulhoso de sua proeza, mantém-se ponderado. Após ter concedido a seus homens um prazo para a tradicional partilha dos bens restados da guerra, ele os coloca em alerta a partir do dia seguinte». In Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Reimpressão, Edições 70, Ensaio, 2016, ISBN-978-972-441-756-1.

Cortesia de Edições70/JDACT

Amin Maalouf, JDACT, Literatura, Árabes,