domingo, 22 de janeiro de 2012

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «A atitude de Bernardo e Gonçalo era de molde a ofender os direitos de Maurício de Braga. É preciso ter presente que Pascoal II lhe tinha confirmado havia pouco a diocese de Coimbra, a de Zamora, que ainda não tinha bispo, constituía outro ponto de litígio»

Cortesia de uc

Maurício de Braga e Diego de Compostela
«A morte de Afonso VI deu novo impulso à política do conde Henrique de Portugal. Ele que até à data se havia limitado a fazer reconhecer a independência da sua regência portuguesa, tentava agora, uma vez que Afonso VI não tinha deixado filhos, obter a sucessão em todo ou pelo menos em boa parte do reino do sogro. No centro dos seus interesses já não estava a independência portuguesa, mas a sua própria posição dentro da península. Só assim se explica que na questão do bispado de Coimbra sofresse uma evolução que era diametralmente oposta ao interesse português. Vimos que Pascoal II incorporou Coimbra na província eclesiástica de Braga. Mas antes da invasão árabe esta diocese não havia pertencido a Braga, mas Mérida, a metrópole lusitana que no século XII ainda estava nas mãos dos mouros.
Ora o primaz Bernardo de Toledo, assumindo as funções de metropolita substituto de Mérida, considerou sempre Coimbra como sua diocese sufragânea, não reconhecendo os direitos de Braga. O conde Henrique, contudo, por não poder com segurança prescindir neste momento da amizade do poderoso prelado, deixou-lhe a mão livre.
A sé vacante de Coimbra foi ocupada talvez ainda durante a viagem de Maurício a Roma. Elegeu-se Gonçalo (1109-1128), natural desta cidade, mas que durante todo o tempo do seu pontificado esteve ao lado do toledano, a quem prometeu obediência e por quem também foi com certeza sagrado, talvez em Viseu, no dia 29 de Julho de 1109, quando o conde Henrique lhe doou o mosteiro de Lorvão, sendo o arcebispo testemunha deste acto.


Santiago de Compostela
Cortesia de uc e wikipedia

Ainda no mesmo ano Gonçalo mandou legados a Roma, que deviam tratar de saber se Coimbra devia pertencer à província de Braga ou à de Toledo-Mérida. Pascoal, cuja resposta possuímos, adiou a sua decisão até que Gonçalo pudesse vir pessoalmente a Roma. Do rosto, confirmou em 12 de Janeiro de 1110 a doação do Lorvão, concedendo à população de Coimbra uma indulgência por esta ter combatido com energia os mouros. De maneira análoga tinha lembrado no ano procedente às sufragâneas de Braga que continuassem a guerra contra os infiéis. É importante ver como o interesse do papado pela luta contra o Islam se manifesta naquela época também em território português. Por enquanto eram estas promessas e admoestações a única coisa que o papa fazia de própria iniciativa. No resto limitava-se a estudar cautelosa e reservadamente as questões que se lhe punham.
A atitude de Bernardo e Gonçalo era de molde a ofender os direitos de Maurício de Braga. É preciso ter presente que Pascoal lhe tinha confirmado havia pouco a diocese de Coimbra, a de Zamora, que ainda não tinha bispo, constituía outro ponto de litígio. Bernardo incorporou este bispado no de Salamanca, apesar de ele ter sido antigamente administrado por Astorga, diocese sufragânea de Braga. Mas Maurício aproveitou-se das desordens do tempo para entrar também em acção. A filha e herdeira de Afonso VI, a rainha Urraca, casara, pouco depois da morte do pai, com Afonso I de Aragão, o «Batalhador». Mas a nobreza galega, assim como o clero castelhano não se mostravam satisfeitos com esta ligação; e, como os esposos eram parentes, recorreu-se ao direito canónico para declarar nulo o casamento. Urraca separou-se, pouco tempo depois, do marido, para iniciar uma longa luta contra os seus inimigos, luta raramente interrompida por um acordo. Afonso de Aragão, por seu lado, vingou-se do clero hostil exilando e capturando o arcebispo de Toledo e os bispos do Léon, Burgos, Osma, Palência e Orense.

Conde Henrique
jdact

O conde Henrique de Portugal, pelo menos durante algum tempo, fez causa comum com o Aragonês. Em 1112 entra também Maurício na questão, reclamando o bispado de Léon para a sua província e aproveitando a ocasião de estar vaga a sé desta cidade para estender a ela o suposto direito de metropolita. Isso significa politicamente um auxílio ao partido aragonês e uma declaração de guerra a Bernardo de Toledo, primaz e legado do Papa.
Já por várias vezes Maurício se queixara de Bernardo junto do Papa, que lhe enviou vários mandatos, sem nada conseguir. Ele por si só não tinha força para proceder contra Bernardo, tanto mais que precisamente em 1112 os aragoneses, sobre os quais Maurício tencionava apoiar-se, haviam sido expulsos de Castela. Por, isso procurou a aliança mais íntima que era possível com o rival mais poderoso de Bernardo e inimigo de Afonso I: Diego de Compostela.
O bispo Diego Gelmirez, de Santiago de Compostela, não era apenas um homem enérgico, sem escrúpulos na escolha de meios, mas dispunha também de somas que poucas igrejas europeias possuiriam naquela época. A suposta sepultura do apóstolo S. Tiago em Compostela valera-lhe ricas doações durante séculos, atraindo de toda a parte inúmeros peregrinos que davam grandes esmolas. Diego soube aproveitar estas vantagens. Conseguia, tanto dos reis como dos papas, privilégios acumulados, sendo a sua ambição havia muitos anos a dignidade de metropolita.

À realização deste sonho opunham-se contudo sérias dificuldades. A criação duma nova província eclesiástica era contrária às tradições da Igreja. Ora, a única antiga metrópole cuja transferência para Santiago se podia justificar com razões geográficas, ou seja Braga, havia sido solenemente restaurada e confirmada, precisamente antes de Diego principiar as diligências em seu proveito. Além de Braga, apenas Mérida entrava em linha de conta». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT