segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Wenceslau de Moraes. Permanência e Errâncias no Japão. «Ontem mais um jantar em Osaka, obrigado a botar discurso, etc. Maçadas. Eu já não posso ver gente, sobretudo gente branca; com bichos, ervas e pedras é que me entendo. A humanidade dá-me a impressão de estar toda podre; ilusão certamente; eu é que estou podre»

Edifício da Câmara Municipal, a cuja inauguração o autor assistiu
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«O “século cristão” no Japão, de meados do século XVI a meados do seguinte, deixou na nossa memória colectiva ecos difusos de um contacto-presença distante no tempo e no espaço, em ambiente exótico e aprazível. No passado recente, o século XX, a nossa ligação com o império do Sol Nascente está personificada na figura de Wenceslau de Moraes, português da diáspora que entendemos mais pelo sentimento que pela razão. Estará na nossa maneira de ser equacionar de forma específica o fascínio centrífugo da partida com a força centrípeta da saudade; e no extremar da equação, o fulcro vivencial de Moraes.
Reconhecido e lido entre nós, conhece-se bem melhor o autor literário do que o homem cuja existência terá sido sofrida desde cedo e amargurada na última fase. O sofrimento e a amargura não terão decorrido das circunstâncias da vida, objectivamente normais, com uma carreira profissional boa quer como oficial de marinha, quer depois como diplomata, mas sim da sua natureza pessoal, do que lhe ia na alma, da sua maneira de ser.

Panorâmica da ilha de Awaji, perto de Kobe
O hotel Oriental

Iwaya. No verso: Que tal achas esta pedra?
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A decisão, em 1913, de cortar todos os vínculos profissionais, renunciando à sua qualidade de capitão-de-mar-e-guerra e de cônsul-geral no Japão, de desfazer as amarras sociais e existenciais exilando-se em Tokusshima, no seguimento da morte de O-Yoné, a mulher que para ele era uma parcela da própria vida e do seu envolvimento estético e afectivo com o Japão, foi um acto de despojamento, certamente corajoso, mas que o lançou numa espiral de tormento interior que só terminaria com a morte em 1929. Tinha atravessado a ponte, e não podia voltar para trás.
[…]
A curiosidade e a beleza dos postais aqui reunidos, transportam-nos pela mão dos sentidos a uma época e a um Oriente simultaneamente longínquos e próximos. E as palavras ligam-nos de uma forma directa à humanidade lusitana do seu autor». In Carlos Monjardino.

Em 1911, no seu gabinete
O governo civil de Kobe
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O Quotidiano
«O quotidiano japonês de Wenceslau de Moraes caracterizou-se pela ampla actividade exercida, entre 1898 e 1913, na qualidade de cônsul de Portugal em Hiogo e Osaka. Trabalhava compulsivamente devido não só ao muito expediente que a sua função exigia, mas também como forma de compensar a sua profunda angústia existencial. Revela-nos os seus afectos e as suas peregrinações pelo Japão, que constituem um olhar percuciente sobre as múltiplas manifestações do povo japonês, em busca da matéria-prima que lhe permitiu escrever com profundidade sobre a sua identidade cultural». In Wenceslau de Moraes, Permanências e Errâncias no Japão, Fundação Oriente, 2004, ISBN 972-785-064-2.

Produtos portugueses na Exposição de Osaka, 1903
Menina pintando-se ao espelho. Colagem do autor
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NOTA: Os postais pertencem à colecção pessoal de Carlos Monjardino.

Continua
Cortesia de F. Oriente/JDACT