terça-feira, 15 de junho de 2021

Lucrécia Borgia. Jean Plaidy. «Ela adorara os dois; achava fácil gostar das pessoas. Giorgio tinha sido muito bom para ela, Otaviano tinha sido seu irmãozinho, de modo que ela ia insistir em chorar, ainda que César a proibisse»

 


Cortesia de wikipedia e jdact

A Piazza Pizzo di Merlo

«(…) Quando o tio Roderigo ia visitá-los, ela gostava de subir nele olhando de perto para o rosto, talvez estendendo um dedo delicado para tocar-lhe o nariz, que parecia gigantesco, acariciar o grande queixo, enfiar o rosto nas roupas perfumadas e dizer a ele que o cheiro dele a lembrava dos jardins de flores de sua mãe. Tio Roderigo adorava todos eles, e muitas vezes chegava com presentes; fazia com que eles ficassem à sua volta enquanto se sentava na cadeira ornamental que a mãe deles mantivera para ele, e olhava para todos, um de cada vez, os adorados filhos que, segundo ele lhes dizia, amava mais do que tudo na Terra; seus olhos pousavam com uma expressão mais terna em Giovanni. Lucrécia sabia disso; e às vezes, quando via a contrariedade que aquilo provocava em César, ela corria para o tio Roderigo e atirava-se contra ele para desviar sua atenção de Giovanni para ela. Com frequência, conseguia, pois quando os longos dedos do tio Roderigo acariciavam seus cabelos amarelos, quando os lábios dele tocavam sua face macia, havia uma ternura especial que ele só podia dar a ela. Ele a apertava mais nos braços e beijava-a mais vezes. Minha encantadora pequena, murmurava ele. Meu amorzinho. Então, ele parava de olhar para Giovanni com tanta devoção e isso agradava a César, que não se importava com o amor que tio Roderigo dedicava a Lucrécia. Só Giovanni lhe provocava a inveja.

Então Vannozza podia aparecer à porta levando o pequeno Goffredo pela mão, empurrando-o para a frente; e Goffredo se soltava da mãe e corria dando gritinhos de alegria, berrando: tio Roderigo, Goffredo está aqui. Ele estaria vestido com a sua túnica azul, que fazia com que parecesse um anjo pintado num dos quadros que sua mãe adorava; e tio Roderigo hesitaria, ou fingiria hesitar, por um segundo antes de apanhar o belo garotinho. Mas só depois que Vannozza se tivesse retirado, ele o cobriria de beijos e o colocaria no joelho e deixaria que ele tirasse presentes dos bolsos da sua túnica, enquanto o chamava de meu pequeno Goffredo. Otaviano não ia nunca. Pobre Otaviano, o estranho; era pálido e delicado, e tossia muito. Parecia-se muito com Giorgio, que era delicado mas que, segundo ordens de César, devia ser ignorado por todos eles, já que nada tinha a ver com eles. Mas foi através de Otaviano e Giorgio, os dois que eram considerados insignificantes pelas três crianças na ala infantil, que a mudança entrou na vida deles. Os dois cresceram e foram ficando apáticos. O tempo estava quente e abafado e dizia-se que havia peste no ar. Giorgio foi ficando mais pálido e mais magro a cada dia, até que caiu de cama e fez-se silêncio por toda a casa.

Vannozza chorava copiosamente, pois passara a amar o dócil marido, e quando ele morreu ela ficou muito triste. Não se passou muito tempo e o pequeno Otaviano, sofrendo da mesma maneira que o pai, caiu de cama e morreu. Assim, em poucos meses a família perdeu dois de seus membros. Lucrécia chorava por ver a mãe infeliz. Ela também sentia falta do pequeno Otaviano; ele tinha sido um de seus mais fiéis admiradores. César encontrou-a chorando e perguntou o motivo. Mas você sabe, disse ela, os olhos claros arregalados e pensativos. Nosso pai morreu e o nosso irmãozinho morreu com ele. Nossa mãe está triste, e eu também. César estalou os dedos, irritado. Você não deve chorar por eles, disse. Para nós, eles nada são. Lucrécia abanou a cabeça e pela primeira vez não concordou com ele. Ela adorara os dois; achava fácil gostar das pessoas. Giorgio tinha sido muito bom para ela, Otaviano tinha sido seu irmãozinho, de modo que ela ia insistir em chorar, ainda que César a proibisse.

Mas César não devia ser contrariado. Ela viu a expressão de raiva surgir nos olhos dele. Lucrécia, você não vai chorar por eles, insistiu ele. Estou dizendo que não vai. Enxugue os olhos. Olhe, aqui está um lenço. Enxugue-os e sorria. Sorria! Mas não era possível sorrir com toda a dor que sentia. Lucrécia tentou, mas lembrou-se da bondade de Giorgio e de que ele a levava nos ombros e parecia muito satisfeito quando as pessoas lhe admiravam os cabelos amarelos; lembrou-se de que o pequenino Otaviano tinha o hábito de gatinhar para perto dela e enfiar a mãozinha na dela; lembrou-se de que ele balbuciava o nome dela. Ela não conseguia sorrir, porque não podia esquecer que jamais tornaria a ver Giorgio e Otaviano. César parecia estar encontrando dificuldade para respirar, o que significava que estava muito zangado. Ele agarrou-a pelo pescoço, e dessa vez havia mais raiva do que ternura naquele gesto. Está na hora de saber a verdade, disse ele. Você não adivinhou quem é o nosso pai?» In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.

 

Cortesia de ERecord/JDACT

 

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