A Piazza Pizzo di Merlo
«(…) Quando o tio Roderigo ia
visitá-los, ela gostava de subir nele olhando de perto para o rosto, talvez estendendo
um dedo delicado para tocar-lhe o nariz, que parecia gigantesco, acariciar o
grande queixo, enfiar o rosto nas roupas perfumadas e dizer a ele que o cheiro
dele a lembrava dos jardins de flores de sua mãe. Tio Roderigo adorava todos
eles, e muitas vezes chegava com presentes; fazia com que eles ficassem à sua
volta enquanto se sentava na cadeira ornamental que a mãe deles mantivera para
ele, e olhava para todos, um de cada vez, os adorados filhos que, segundo ele
lhes dizia, amava mais do que tudo na Terra; seus olhos pousavam com uma
expressão mais terna em Giovanni. Lucrécia sabia disso; e às vezes, quando via
a contrariedade que aquilo provocava em César, ela corria para o tio Roderigo e
atirava-se contra ele para desviar sua atenção de Giovanni para ela. Com
frequência, conseguia, pois quando os longos dedos do tio Roderigo acariciavam
seus cabelos amarelos, quando os lábios dele tocavam sua face macia, havia uma
ternura especial que ele só podia dar a ela. Ele a apertava mais nos braços e
beijava-a mais vezes. Minha encantadora pequena, murmurava ele. Meu amorzinho. Então,
ele parava de olhar para Giovanni com tanta devoção e isso agradava a César,
que não se importava com o amor que tio Roderigo dedicava a Lucrécia. Só
Giovanni lhe provocava a inveja.
Então Vannozza podia aparecer à
porta levando o pequeno Goffredo pela mão, empurrando-o para a frente; e
Goffredo se soltava da mãe e corria dando gritinhos de alegria, berrando: tio
Roderigo, Goffredo está aqui. Ele estaria vestido com a sua túnica azul, que
fazia com que parecesse um anjo pintado num dos quadros que sua mãe adorava; e
tio Roderigo hesitaria, ou fingiria hesitar, por um segundo antes de apanhar o
belo garotinho. Mas só depois que Vannozza se tivesse retirado, ele o cobriria
de beijos e o colocaria no joelho e deixaria que ele tirasse presentes dos
bolsos da sua túnica, enquanto o chamava de meu pequeno Goffredo. Otaviano
não ia nunca. Pobre Otaviano, o estranho; era pálido e delicado, e tossia
muito. Parecia-se muito com Giorgio, que era delicado mas que, segundo ordens
de César, devia ser ignorado por todos eles, já que nada tinha a ver com eles. Mas
foi através de Otaviano e Giorgio, os dois que eram considerados
insignificantes pelas três crianças na ala infantil, que a mudança entrou na
vida deles. Os dois cresceram e foram ficando apáticos. O tempo estava quente e
abafado e dizia-se que havia peste no ar. Giorgio foi ficando mais pálido e
mais magro a cada dia, até que caiu de cama e fez-se silêncio por toda a casa.
Vannozza chorava copiosamente,
pois passara a amar o dócil marido, e quando ele morreu ela ficou muito triste.
Não se passou muito tempo e o pequeno Otaviano, sofrendo da mesma maneira que o
pai, caiu de cama e morreu. Assim, em poucos meses a família perdeu dois de
seus membros. Lucrécia chorava por ver a mãe infeliz. Ela também sentia falta
do pequeno Otaviano; ele tinha sido um de seus mais fiéis admiradores. César
encontrou-a chorando e perguntou o motivo. Mas você sabe, disse ela, os olhos
claros arregalados e pensativos. Nosso pai morreu e o nosso irmãozinho morreu
com ele. Nossa mãe está triste, e eu também. César estalou os dedos, irritado. Você
não deve chorar por eles, disse. Para nós, eles nada são. Lucrécia abanou a
cabeça e pela primeira vez não concordou com ele. Ela adorara os dois; achava fácil
gostar das pessoas. Giorgio tinha sido muito bom para ela, Otaviano tinha sido
seu irmãozinho, de modo que ela ia insistir em chorar, ainda que César a
proibisse.
Mas César não devia ser
contrariado. Ela viu a expressão de raiva surgir nos olhos dele. Lucrécia, você
não vai chorar por eles, insistiu ele. Estou dizendo que não vai. Enxugue os
olhos. Olhe, aqui está um lenço. Enxugue-os e sorria. Sorria! Mas não era possível
sorrir com toda a dor que sentia. Lucrécia tentou, mas lembrou-se da bondade de
Giorgio e de que ele a levava nos ombros e parecia muito satisfeito quando as
pessoas lhe admiravam os cabelos amarelos; lembrou-se de que o pequenino
Otaviano tinha o hábito de gatinhar para perto dela e enfiar a mãozinha na
dela; lembrou-se de que ele balbuciava o nome dela. Ela não conseguia sorrir,
porque não podia esquecer que jamais tornaria a ver Giorgio e Otaviano. César
parecia estar encontrando dificuldade para respirar, o que significava que
estava muito zangado. Ele agarrou-a pelo pescoço, e dessa vez havia mais raiva
do que ternura naquele gesto. Está na hora de saber a verdade, disse ele. Você
não adivinhou quem é o nosso pai?» In Jean
Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN
978-850-104-410-5.
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Jean Plaidy, Itália, Literatura,