«Sonhei em ser útil à humanidade. Não consegui, mas fiz versos. Estou convicta de que a poesia é tão indispensável à existência como a água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor. Essas palavras ecoaram pelo Rio de Janeiro, na segunda metade do século XX. Foram proferidas pela poetisa Gilka Machado, no crepúsculo de sua vida, toda dedicada à poesia.
Gilka da Costa de Mello Machado
nasceu no Rio de Janeiro no dia 12 de Março de 1893. Casou-se com o poeta
Rodolfo Melo Machado em 1910. Teve dois filhos: Helio e Eros. O marido,
Rodolfo, faleceu em 1923.Viúva aos 30 anos, lutou, arduamente, para sobreviver
e educar os filhos, sem atender às soluções que repugnavam o seu pudor. Em
1965, ano do cinquentenário da sua estreia, inseriu na antologia Velha
Poesia, grande número de inéditos que falavam dos seus desenganos e na
proximidade da morte. Seu interesse pela poesia começou na infância, mas sempre
precisou conciliar a vida difícil com a actividade literária. Já casada e com
filhos, trabalhou como diarista na Estrada de Ferro Central do Brasil,
recebendo um magro salário. Estreou nas letras vencendo um concurso literário
do jornal A Imprensa, dirigido por José Patrocínio Filho. Na ocasião, houve manifestação
negativa, qualificando o seu trabalho como próprio de uma matrona imoral. Os críticos
mais novos, porém, reconheceram a importância da sua proposta, que pretendia a libertação
dos sentidos e dos instintos. A obra de Gilka Machado pertence à escola poética
do Simbolismo, e dela adopta as imagens mais recorrentes. Contudo, Gilka
caminhou para a ruptura com seus contemporâneos, não só pela ênfase na temática
do erotismo, mas também pela referência a aspectos sociais que oprimem a
mulher. Utilizou-se, quase sempre, de um conjunto de elementos simbólicos com
os quais introduz a sua mensagem: a flor, os gatos, a noite, o vento. Seu objectivo
é discutir o desejo feminino; executa o seu propósito empregando recursos de
linguagem que invocam sensações.
[…]
Olhos
«Ante pálpebras,
que são níveos tabernáculos
sitos no rosto seu,
vai ó Musa, depor
mil oblações, com
fé, sem prever os obstáculos,
a esses olhos, que
são dois altares imáculos,
onde a Esperança acende
um círio ao nosso Amor».
Canção do Fim
«Vejo com mágoa
de despedida
tudo quanto atraia
meu olhar
Porque te amamos
muito mais,
ó Vida,
quando sentimos
que nos vai deixar?
Sempre versátil,
sempre fingida,
custa um sorriso
teu
quanto pesar!
E, mesmo assim,
como te amamos,
Vida,
quando sentimos
que nos vai deixar!
Se de alegrias
tu me foste avara,
quero-te confessar
humilhada,
baixinho:
levo saudade,
não de teu carinho,
mas de teu mau trato
a que me acostumara»
Poema de Gilka Machado, in Wikipedia
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Poesia, JDACT, Gilka Machado, Brasil,