«(…) Não é conhecido com exactidão o momento da construção das tercenas régias de Lisboa, pois apenas está documentada a existência de Casas das Galés pertencentes à Coroa, em 1294, durante o reinado de dom Dinis. No entanto, não se deve ignorar a possibilidade de que esta estrutura já existisse anteriormente a este reinado e que tenha sido amplamente restruturada na última década do século XIII, pois ocorreu nesse momento uma ampla reconfiguração urbana na Ribeira através de uma acção concertada entre o monarca e o concelho da cidade.
Nessa reconfiguração sobressaiam
a construção da muralha da Ribeira e a urbanização erguida em simultâneo com
estrutura defensiva, mais precisamente, a fachada sul da Rua Nova e a fachada
norte da Rua da Ferraria. Entre 2010 e 2011 foi encontrado, em escavações
arqueológicas realizadas no Banco de Portugal, o muro norte das Tercenas medievais,
o qual é publicamente conhecido como Muralha de dom Dinis, facto que não
colabora para a divulgação da história destas importantes estruturas de apoio
às actividades da marinha medieval portuguesa. Na realidade ambas as
estruturas, tercenas e muralha da Ribeira, estavam intimamente ligadas no que
respeita à morfologia urbana, pois a orientação da muralha coincidia com a
orientação do muro Norte das terecenas, causa maior da referida ambiguidade.
Ainda para mais, a própria estrutura das tercenas pode ter sido totalmente
remodelada no mesmo momento em que a muralha foi erguida durante a última
década do século XIII. Seja como for, não podemos deixar de sublinhar que o
muro encontrado no quarteirão do Banco de Portugal, já no século XXI surge inúmeras
vezes em documentos medievais denominado como muro das tercenas, ou seja,
este muro era no século XIV conhecido como muro das tercenas e não como
uma muralha (um aforamento de Afonso IV, em 1327, de um sótão e sobrado
localizado na Judiaria Nova surge nas confrontações a sul o muro da mha taracena; um outro aforamento de Afonso IV,
em 1327, de um sobrado na Judiaria Nova, é referido nas confrontações a sul uma
via pulvega e o Muro da taracena; um outro aforamento de Afonso
IV de um sótão localizado na Judiaria Nova refere nas confrontações a sul o
muro da dicta taracena)
Nos meados do século XIV as
tercenas régias de Lisboa foram alvo de uma expansão na direcção da Oura, ou
seja, na direcção ocidental em relação ao edifício original. Esta expansão é
conhecida devido a uma confirmação de 1352 de um escambo anterior realizado
entre o concelho e a Coroa onde se refere que o concelho deu um campo à Coroa
para aí serem erguidas tercenas para quatro galés, ou seja, uma estrutura com
quatro naves. Escavações arqueológicas de emergência realizadas pelos
arqueólogos da Câmara Municipal de Lisboa, em 1997, no momento da construção de
um parque de estacionamento na Praça do Município revelaram um muro que
consideramos estar relacionado com esta expansão das tercenas de Afonso IV, e
não com a muralha fernandina, tal como foi considerado pelos arqueólogos
responsáveis.
Além
disso, na mesma escavação foi também encontrado um conjunto de estruturas de madeira
preparadas para a construção naval, algo que não nos deve surpreender, pois a referida
confirmação de 1352 refere que existiam exactamente nesse local casas em que el Rei tem a madeira junto com
o muro das tercenas».
In
Manuel
Fialho Silva e Nuno Fonseca, As Tercenas Régias de Lisboa: dom Dinis a dom
Fernando, O Mar como Futuro de Portugal, Academia de Marinha,
Lisboa, 2019, ISBN- 978-972-781-145-8.
Cortesia de AcademiadaMarinha/JDACT
JDACT, Manuel Fialho Silva, Nuno Fonseca, Cultura e Conhecimento, Armada,