segunda-feira, 20 de junho de 2022

O Segundo Sexo. Simone Beauvoir. «É muito difícil dar uma descrição geralmente válida da noção de fêmea; defini-la como condutora de óvulos e o macho como condutor de espermatozoides é muito insuficiente…»

 

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Factos e Mitos. Destino

«(…) Demonstrou-se, mediante várias experiências, que fazendo variar o meio endocrínico podia-se agir sobre a determinação do sexo; outras experiências, de enxertia e de castração, realizadas em animais adultos, conduziram à teoria moderna da sexualidade. Nos machos e fêmeas dos vertebrados o soma é idêntico, podendo-se considerá-lo um elemento neutro; é a acção da gonádica que lhe dá as características sexuais. Certos hormónios secretados operam como estimulantes e outros como inibidores; o próprio tractus genital é de natureza somática e a embriologia mostra que ele se determina sob a influência dos hormónios, partindo de esboços bissexuais. Há intersexualidade quando o equilíbrio hormonal não foi satisfeito e nenhuma das duas potencialidades sexuais se realizou nitidamente.

Igualmente distribuídos na espécie, evoluídos de maneira análoga a partir de raízes idênticas, os organismos masculinos e femininos, uma vez terminada sua formação, parecem profundamente simétricos. Ambos se caracterizam pela presença de glândulas produtoras de gametas, ovários ou testículos, sendo os processos de espermatogénese e ovogénese, já o vimos, análogos; essas glândulas depositam sua secreção num canal mais ou menos complexo segundo a hierarquia das espécies. A fêmea deixa sair o ovo directamente pelo oviduto ou o retém na cloaca ou em um útero diferençado antes de expulsá-lo; o macho lança o sêmen para fora, ou é munido de um órgão copulador que lhe permite introduzi-lo na fêmea. Estaticamente, macho e fêmea, aparecem, portanto, como dois tipos complementares. É preciso considera-los de um ponto de vista funcional para apreender-lhes a singularidade.

É muito difícil dar uma descrição geralmente válida da noção de fêmea; defini-la como condutora de óvulos e o macho como condutor de espermatozoides é muito insuficiente, porquanto a relação do organismo com as gonádica é extremamente variável. Inversamente, a diferenciação dos gametas não afecta directamente o conjunto do organismo. Pretendeu-se, por vezes, que o óvulo, sendo maior, consumia mais força viva do que o espermatozoide, mas este é secretado em quantidade infinitamente mais considerável, de modo que, nos dois sexos, o desgaste se equilibra. Quiseram ver na espermatogénese um exemplo de prodigalidade e na ovulação um modelo de economia, mas há também neste fenómeno uma absurda profusão: a imensa maioria dos óvulos nunca é fecundada. Como quer que seja, as gonádicas e os gametas não nos oferecem um microcosmo de todo o organismo. É este que se faz necessário estudar directamente». In Simone Beauvoir, O Segundo Sexo, volume 1, 1949, Quetzal Editores, colecção Serpente Emplomada, 2015, ISBN 978-989-722-193-4.

Cortesia de QuetzalE/JDACT

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