sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Uma homenagem. Bruno Fregni Basstto. «É sabido que muitos eminentes romanistas dedicaram pouco espaço ao português, espaço esse ocupado em grande parte por Carolina»

Cortesia de wikipedia e jdact

Breves considerações sobre Lições de Filologia Portuguesa

Apresentação

«Este livro é o resultado final de uma proposta de trabalho iniciada em 2011, quando tivemos a oportunidade de visitar a Exposição itinerante A Vida e a Obra de Carolina Michaëlis de Vasconcelos: Evocación e Homenaxe”(15 de Março a 14 de Abril de 2011), então abrigada na Faculdade de Filologia da Universidadede Santiago de Compostela, mas realizada, originalmente e com o mesmo título: A Vida e a Obra de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Evocação e Homenagem, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, em 2009. Testemunhando a numerosa e significativa recolha do acervo do Espólio da filóloga custodiado na Biblioteca coimbrã (incluindo, além da sua biblioteca, documentos da vida pessoal e profissional, exemplares de trabalho e epistolografia), pensamos que seria importante transplantá-la ao Brasil, hipótese que imediatamente teve a melhor acolhida por parte dos organizadores ali presentes, a Professora Doutora Maria Manuela Gouveia Delille e o Professor Doutor João Nuno Corrêa-Cardoso. Além de oferecer ao público da Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo a oportunidade de conhecer a trajectória pessoal e intelectual da filóloga, era também nossa intenção: ressaltar o diálogo interdisciplinar que a homenageada praticara enfaticamente na sua exemplar vida acadêmica; celebrar o espírito científico da estudiosa que, em seu tempo, cultivou amplas e fecundas relações com os círculos eruditos contemporâneos; e salientar sua importância como mulher à vanguarda de sua época, activa colaboradora no então crescente movimento feminista mundial. A exposição que pensamos para a Biblioteca Florestan Fernandes da Universidade de São Paulo respeitou, na medida do possível, dentro das nossas condições bibliográficas, documentais e espaciais concretas, o formato original, dividido em três partes: Anos de Berlim, Anos do Porto, Anos de Coimbra e do Porto. Procuramos destacar também o diálogo intelectual que Carolina manteve com Oskar Nobiling, alemão como ela, naturalizado brasileiro e professor catedrático no Ginásio de Estado de São Paulo, figura nacional de grande importância, pela competência e pelo rigor com que tratou os estudos de filologia galego-portuguesa no Brasil. Dessa forma, cremos que os usuários da nossa Biblioteca puderam mergulhar no mundo dos filólogos dos séculos XIX e XX. Acompanhando a Exposição e para promover o debate, organizamos, a exemplo do que fizera a Universidade de Coimbra, um Colóquio Internacional em Homenagem a Carolina Michaëlis de Vasconcelos, com o intuito de proporcionar interlocução em áreas interdisciplinares, como a filologia românica, as literaturas galega e portuguesa, a filologia e língua portuguesa. O diálogo que nessa ocasião se estabeleceu entre as universidades brasileiras, a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal do Espírito Santo, cujas vozes fizeram coro às dos convidados estrangeiros, trouxe aportes de carácter histórico-filológico, cada vez mais vigorosos no Brasil desde os anos 80 do século XX. O Colóquio reuniu um grupo de investigadores que abordou, a partir da perspectiva contemporânea, aspectos e questões ainda hoje suscitados pela obra de Carolina Michaëlis: o trabalho de edição crítica; o conceito de filologia e sua contribuição para as filologias galega, portuguesa e brasileira; os contributos para os estudos de história da língua e da literatura em português, espanhol e galego-português; a troca de ideias e informações com os romanistas da época; o contato que ela estimulou entre as culturas portuguesa e alemã. […]

«A orientação filológica, haurida pela autora junto aos próceres da Filologia Românica dos séc. XIX e XX, foi aplicada à língua portuguesa com inteligência e arte. É sabido que muitos eminentes romanistas dedicaram pouco espaço ao português, espaço esse ocupado em grande parte por Carolina. Este trabalho destaca alguns aspectos de sua valiosa contribuição» In Resumo.

«Com toda consideração pelas numerosas obras de Carolina Michaelis, fiz a opção de abordar as Lições de Filologia Portuguesa, neste simpósio, sobretudo pela grande contribuição que deu aos estudos filológicos da língua portuguesa. Irmã, digamos, menor, no contexto românico no início do séc. XX, a língua portuguesa não era estudada de modo mais profundo e amplo pelos grandes romanistas da época. Veja-se, v.g., a forma apresentada pelo REW (4875) lãa, sem a crase das vogais, na 5 ª edição de 1972, quando a única forma corrente é lã desde o séc. XVI. Carolina Michaelis viveu na época de Friedrich Diez, cujos critérios de avaliação das línguas românicas são eminentemente geográficos, políticos, literários e culturais, os quais não conferiam destaque maior ao pequeno Portugal, enquanto seus territórios ultramarinos não tinham maior expressividade. Despontavam, nessa época em Portugal, os primeiros filólogos, como Francisco Adolfo Coelho, Augusto Epifânio Silva Dias, Goncalves Viana e José Leite Vasconcelos. Ressalte-se que esse último, médico de formação, defendeu sua tese de doutorado em Paris, com o conhecido Esquisse d’une dialectologie portugaise, em 1901, ano em que também publicou Estudos de filologia mirandesa. De 1903 a 1909, lecionou na Biblioteca Nacional de Lisboa, cujas prelecções foram publicadas, em 1911, na obra Lições de Filologia. Nesse cenário filológico em Portugal, insere-se a vinda de Carolina Michaelis de Vasconcelos. É preciso não relacioná-la com José Leite Vasconcelos, com o qual não tem qualquer relação de parentesco. O sobrenome de nossa autora, como é sobejamente sabido, lhe adveio de seu casamento com Joaquim António da Fonseca Vasconcelos, musicólogo e historiador de arte, em 1876, adquirindo a cidadania portuguesa e passando a morar na cidade do Porto. Nascida e criada em ambiente favorável, teve o exemplo do pai, o Gustav Michaelis, professor de matemática e dedicado aos estudos da ortografia e da estenografia, era muito bem relacionado com os meios científicos e institucionais da Prússia; foi também, de 1855 a 1889, director do Gabinete de Estenografia da Câmara dos Pares do Reino. Entre os cinco irmãos de Carolina, destacaram-se Karl Theodor Michaelis, pedagogo, que exerceu altos cargos na administração escolar de Berlim no tempo do Império; e Henriette Michaelis, lexicógrafa e autora dos dois volumes do Dicionário Alemão-Português e Português Alemão, ainda hoje valiosos e acessíveis. Carolina completou os cursos básicos na Luisenschule dos sete aos dezesseis anos; estimulada pelo professor Carl Goldbeck, da mesma escola, a quem muito interessavam os estudos hispânicos, dedicou-se a eles com afinco». In  Bruno Fregni Bassetto, Breves considerações sobre Lições de Filologia Portuguesa de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Núcleo de apoio à pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa (NEHiLP) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Universidade de São Paulo (USP) São Paulo,  2015, ISBN 978-857-506-249-4.

 Cortesia de NEHILP/JDACT

 JDACT, Bruno Fregni Bassetto, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Filologia, Cultura, Conhecimento,