segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Já Ninguém Morre de Amor. Domingos Amaral. «… sem saber que com esse acto fundava uma estirpe nova e endiabrada, os Palma Lobo, brancos com sangue negro, marcados para sempre por enormes pénis, que ao longo das suas existências lhes iriam dar tanto profundas alegrias…»

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Roberto Antunes Palma Lobo, 1881-1916

«Ao terminar a leitura deste caso, julguei que o contributo do médico inglês para a minha investigação terminara ali. Engano meu. O caso seguinte era a descrição do recém-nascido, em especial dos seus inesperados atributos físicos. Roberto Antunes, o primeiro homem da estirpe dos Palma Lobo, era dotado de um pirilau enorme.

Há mais de vinte anos que conhecia Salvador, e já o vira nu em muitas ocasiões, desde banhos de mar a aventuras de grupo com mulheres. Portanto, sabia que Salvador era um privilegiado da natureza. Julgo mesmo que a origem da sua felicidade era uma alegria primária e básica que lhe vinha do facto de ter o sexo poderoso e generoso. Ao longo da vida, desde a adolescência, Salvador aproveitara a vantagem que tinha sobre os outros homens. O seu pénis era motivo de ciumeiras e zangas entre raparigas. Houve épocas em que elas faziam fila para poderem tocar naquele magnífico exemplar, naquele totem da virilidade. E ele satisfazia-lhes a curiosidade.

Sim, eu sabia disso. O que eu não sabia era que esse património era hereditário, um sinal de família, um dote do sangue e da genética. Só ao ler o relato do dr. Charles Scholes, descrevendo o enorme e escuro membro de um recém-nascido que viera ao mundo em 1881, é que compreendi a génese do orgulho sexual do meu amigo.

O médico inglês, que seguira a saúde da criança até ela ter três anos, idade com que foi enviada para Portugal para casa de uma avó, ficara impressionado pelo tamanho invulgar do músculo masculino do pequenino Roberto Antunes Palma Lobo. Descrevia-o como uma anormalidade numa criança tão jovem. E acrescentava que dispunha de fáceis reflexos, ficando erecto com rapidez.

Contudo, as novidades não se limitavam a esta observação. O dr. Charles Scholes reconhecia que fora devido a este inesperado facto que se esclarecera a misteriosa gravidez de Efigénia. Quando, umas semanas depois da morte da mãe, voltara à casa para examinar a saúde do bebé, o inglês ouvira uma criada negra, que amamentava o menino, comentar que com um pénis daquele tamanho ele só podia ser obra do Kalanga, um criado que trabalhava nos jardins da casa. O rapaz, um negro de vinte e tal anos, era alto e viçoso, falava mal o português e começou por negar ao médico que tivesse cometido qualquer pouca-vergonha com dona Efigénia, que Deus a tinha. Além disso, o bebé era branco como a mãe, e, portanto, não podia ser filho de um negro. Quem não ficou satisfeita com esta explicação foi a velha criada, que espremeu o Kalanga até ele acabar por reconhecer o que fizera a Efigénia.

Na noite da trágica morte de Roberto Carvalho Lopo, quando ele chegara gravemente ferido a casa, Efigénia passara várias horas desmaiada, devido à comoção. Ficara deitada na cama do seu quarto, longe da sala, onde estavam os outros criados. A janela do quarto estava aberta, pois fazia muito calor nessa noite. O Kalanga vira a patroa deitada, seminua e sem sentidos, e subira-lhe uma urgência pelo corpo. Entrou no quarto e, de forma apressada, baixou as calças e entrou dentro da patroa desmaiada, que nem se mexeu. O acto foi rápido, mas pelos vistos suficiente para deixar uma semente nas entranhas de Efigénia. O mistério da sua gravidez impossível estava resolvido.

Afinal, Efigénia não era uma adúltera aldrabona, como o outro livro a descrevia, e fora mesmo violada, engravidando enquanto estava desmaiada, e morrendo sem saber quem era o pai da criança. Porém, talvez o dr. Scholes não tivesse contado oralmente a história da mesma forma que a escrevera, pois o episódio comentava-se anos mais tarde como uma anedota, sendo a senhora descrita na sátira local como a Desmaiada.

Pouco mais havia a fazer em Moçambique. Aproveitei os últimos dias na cidade para visitar o cemitério onde estavam enterrados Efigénia Palma e Roberto Lobo, lado a lado, como marido e mulher que sempre foram em vida. Tirei umas fotografias à campa para juntar ao meu trabalho e, na tarde desse mesmo dia, ainda consegui visitar a casa apalaçada onde os trisavôs de Salvador tinham vivido e morrido, e cujos proprietários eram agora uns sul-africanos. Fotografei o quarto de Efigénia, que dava para o jardim, tendo em primeiro plano a grande janela por onde entrara o furtivo Kalanga, para possuir em segredo uma mulher desmaiada, sem saber que com esse acto fundava uma estirpe nova e endiabrada, os Palma Lobo, brancos com sangue negro, marcados para sempre por enormes pénis, que ao longo das suas existências lhes iriam dar tanto profundas alegrias como cavadas tristezas...

São agora onze da noite neste hospital de Lisboa, onde aguardo com tranquilidade a chegada do fim da vida do meu melhor amigo Salvador. Está muito calor e não sei mais quanto tempo vou ter de esperar. As enfermeiras de batas verdes vão passando por mim e dizem: Não há novidades... Nada? Nada». In Domingos Amaral, Já Ninguém Morre de Amor, Oficina do Livro, 2008, ISBN 978-972-461-802-9.

Cortesia de OficinadoLivro/JDACT

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