sexta-feira, 28 de junho de 2024

Domingos Amaral. Por Amor a uma Mulher. «Dona Teresa também teria de se apresentar, bem como o seu filho, herdeiro do Condado Portucalense. Não o fazer seria um insulto, um desafio que só poderia trazer desgraças aos ausentes»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

 

Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

«(… ) Na cama, seminus, estavam Fernão Peres Trava e a rainha, nos seus jogos amorosos, mas nem essa visão deteve Afonso Henriques. Porque me haveis mentido?, gritou. O seu berro ouviu-se pela casa toda. À porta do quarto da rainha juntou-se um preocupado grupo, que incluía as duas irmãs do príncipe, Urraca e Sancha Henriques, bem como o marido da primeira, Bermudo, e ainda as três mouras. Como vos atreveis?, replicou dona Teresa. Fernão Peres Trava saltou da cama e enrolou-se num manto escarlate, protegendo o seu exposto corpo. Afonso Henriques ignorou-o e os seus olhos fixaram-se na mãe, que se cobrira rapidamente com um cobertor de seda.

Porque me haveis traído?, perguntou. Dona Teresa parecia confundida. De que falais? Então, Afonso Henriques recordou a conversa da véspera e Fernão Peres Trava pasmou-se. A rainha não lhe dera a conhecer as promessas trocadas. Aflita, sentindo-se a perder a confiança do amante, dona Teresa declarou: Disse-vos que tinha dúvidas sobre a lealdade de Paio Soares! Nunca vos prometi nada! Hoje de manhã, o Fernão conversou com o Paio e tudo ficou esclarecido! O seu amante relaxou, aliviado. Porém, Afonso Henriques berrou: Mentira! Haveis dito que não iam casar, que Chamoa seria minha! Apontou para Fernão Peres e prosseguiu: Agora, que ele está aqui, falta-vos coragem! Foi ele quem vos fez mudar de ideias! O vosso amante é mais importante do que o vosso filho! O Trava, enrolado no seu manto, falou pela primeira vez. Príncipe, se já eram conhecidas as intenções de vossa mãe em casar Chamoa com Paio Soares, porque a haveis seduzido? Com habilidade manipuladora, o nobre galego tentava inverter a situação, mas o príncipe não o deixou.

E como podia saber das vossas ideias? Acaso me informaram delas? Governais o Condado na vossa cama! Casais os meus melhores amigos e nem sequer me consultais! Atrapalhado pelas duras acusações de Afonso Henriques, o casal de amantes não reagiu, e ele continuou: Mas isto, isto é muito mais grave! Fui falar convosco ontem! Pedi-vos que cancelassem o casamento de Chamoa com Paio Soares! Disse-vos que me enamorara dela! Não vos interessam os meus pedidos? Com uma voz serena e pausada, e depois de um curto silêncio, Fernão Peres tentou chamar o príncipe à razão. Afonso VII ameaçou Toronho! Casar Chamoa com Paio Soares anula esse desejo bélico, sem ofender o novo rei. Já o vosso casamento com Chamoa seria perigoso, pois Toronho passaria a ser pertença do Condado Portucalense, e não do rei de Leão, Castela e Galiza! Desejais uma guerra com vosso primo? Mantendo o mesmo tom de voz calmo, o nobre galego admitiu: Não podeis enfrentá-lo, não tendes força para tal. A Galiza e o Condado terão de unir-se devagar, passo a passo, a vossa pressa é má conselheira.

Irritado com as insinuações do Trava, de que ele era impetuoso, mas pouco inteligente, Afonso Henriques gritou-lhe: Decerto julgais que sou estúpido? Todo o Condado conhece a vossa vontade de ter um filho varão! É por isso que quereis tempo! O receio de perder Toronho é uma miserável desculpa! Com asco estampado no rosto, o príncipe exclamou: Afonso VII tem mais com que se preocupar do que com Toronho! Se me casasse com Chamoa e lhe fosse prestar vassalagem a Ricobayo, meu primo esquecia qualquer agravo! Na cara de Fernão Peres nasceu um misto de admiração e espanto. Por um lado, surpreendia-o o conhecimento que o príncipe tinha das intenções íntimas da mãe; por outro, admirava os seus raciocínios rápidos sobre os supostos desejos de Afonso VII. A surpresa venceu a admiração, pois sorriu levemente e murmurou: Estais bem informado. Suspeito de que andais a espiar a rainha. Dona Teresa, indignada, explodiu: Meu Deus, e chamais-me traidora! Afonso Henriques ignorou este contra-ataque e enfrentou a mãe. Se não for cancelado o casamento de Chamoa com Paio Soares, não vou a Ricobayo prestar vassalagem ao meu primo! Dona Teresa mostrou-se verdadeiramente espantada. O que dizeis?, balbuciou. Estais louco?

A cerimónia de coroação de Afonso Raimundes como Afonso VII estava marcada para breve, e já chegara a Viseu a notícia de que o novo rei exigira aos principais nobres de Leão, Castela e Galiza, que se dirigissem a Ricobayo, onde lhe teriam de prestar vassalagem. Dona Teresa também teria de se apresentar, bem como o seu filho, herdeiro do Condado Portucalense. Não o fazer seria um insulto, um desafio que só poderia trazer desgraças aos ausentes». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,