segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A Conquistadora. Teresa Medeiros. «A tensão quebrou-se e as gargalhadas encheram o salão. Um sorriso largo estampou-se no rosto de Conn, que avançou para o meio da multidão»

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«(…) Não era homem de esconder as suas emoções, e se o encostavam à parede seus olhos azuis escureciam, brilhantes e impenetráveis como pedras preciosas. Chamavam-lhe Conn, das Cem Batalhas e varrera a ilha de Erin como o fogo numa floresta, unificando e conquistando até ter toda a região sob o seu jugo. Mer-Nod permitiu que um sorriso raro se desenhasse nos seus lábios. A caminhada de Conn rumo ao trono foi interrompida por apertos de mãos, palmadas nas costas e um ou outro beijo a uma criança obrigada por alguém a encostar o rosto ao seu.

Conn piscou um dos olhos a Mer-Nod quando chegou à cadeira do juiz. Para quê esse ar taciturno, poeta! Renuncio aos seus impostos em troca de um sorriso genuíno. Em pé diante do trono, ergueu os braços cumprimentando o povo. De imediato o salão se calou. Apenas o choro estridente de um bebé rompia o silêncio. Todos os olhares se concentraram em Conn, que declarou: os mensageiros aproximam-se pelo norte. Devem chegar dentro da próxima hora. Trazem as notícias que aguardamos. As vozes subiram de tom, depois voltaram a silenciar-se enquanto ele deixava a estreita plataforma e caminhava para trás e para frente diante do trono. Vejo muitos rostos assustados. Parou para lançar à multidão um olhar acusador, mas logo retomou as suas passadas. Puseram-nos perante um grande desafio..., um dragão ávido dos nossos espíritos. Desejoso de destruir os nossos homens, mas também as nossas vontades. Conn virou-se para a multidão, as mãos tocando levemente os quadris. A questão é..., vamos deixá-lo ser bem sucedido nas suas tentativas?

Na fila da frente, uma mulher mordeu nervosa o lábio inferior, e dois soldados entreolharam-se, de pé no chão abaixo do rei. Uma voz nasalada, por cima da multidão, fez-se ouvir: e a resposta é... Todos os olhos, incluindo os de Conn, se viraram para ele. Acima da parede via-se uma prateleira estreita e empoeirada, nessa plataforma um anão agarrava um trapézio pendurado no tecto. A multidão suspirou em uníssono quando o pequeno homem deixou graciosamente o seu poleiro com os joelhos dobrados em volta da barra do trapézio. De pernas para o ar, quase bateu com a cabeça nas dos homens mais altos do Fianna. Terminou a sua frase com uma careta: ... não, pelo menos enquanto eu for vivo!

A tensão quebrou-se e as gargalhadas encheram o salão. Um sorriso largo estampou-se no rosto de Conn, que avançou para o meio da multidão. Quando o anão voltou a passar por ele, Conn puxou o trapézio e virou para si o corpo do acrobata. Em nome de Behl, que esta fazendo, Nimbus?, perguntou. Tendo perdido o chapéu devido à precariedade da posição em que se encontrava, o bobo arrancou um do homem que estava mais próximo. Excelência, que maravilhosa surpresa! A multidão rompeu às gargalhadas enquanto Conn torcia o trapézio com uma lentidão agonizante.

Rendo-me!, gritou Nimbus. Estes súbditos leais de vossa excelência podem ficar revoltados se eu despejar em cima das cabeças deles a sopa de feijão que comi ao almoço. Vários homens e mulheres fugiram correndo da terrível ameaça. A única coisa revoltante aqui é você, retorquiu Conn, puxando o anão pelas orelhas até o ter de novo à sua frente. Nimbus encostou-se ao ouvido de Conn e segredou: receei que estivesse perdendo a atenção deles, excelência. Só quis ajudar. Conn respondeu no mesmo tom: sempre é melhor do que fingir que estava enforcando-se como fez da outra vez. Eu quase tive uma apoplexia. Sem pré-aviso, empurrou o trapézio, que balouçou de novo fazendo Nimbus guinchar.

Conn gritou à multidão: embora me custe admiti-lo, o bobo tem razão. O nosso espírito tem de triunfar. Desviou-se para evitar que Nimbus lhe puxasse pelo nariz quando o trapézio voltou a passar por ele. Os aplausos não se fizeram esperar. Um homem, identificado como talhante pelo avental amarrotado e ensanguentado, ergueu a voz e a taça: civilizamos este país! As aclamações transformaram-se num bramido». In Teresa Medeiros, A Conquistadora, 1998, Planeta Manuscrito, Grupo Planeta, 2010, 2014, ISBN 978-989-657-517-5.

Cortesia de PManuscrito/GPlaneta/JDACT

JDACT, Teresa Medeiros, Literatura, Narrativa, Cultura,